Topo

José Roberto de Toledo

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Cinco tendências que o Ipec revelou mas poucos viram

Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em eventos de campanha nesta quinta-feira (18) - Lucas Lacaz Ruiz/Estadão Conteúdo e Ricardo Stuckert/Divulgação
Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em eventos de campanha nesta quinta-feira (18) Imagem: Lucas Lacaz Ruiz/Estadão Conteúdo e Ricardo Stuckert/Divulgação

Colunista do UOL

30/08/2022 12h28

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

As principais tendências da pesquisa Ipec (ex-Ibope) só ficam claras quando os resultados desta segunda-feira são comparados aos de 2021. As cinco constatações mais importantes levam à mesma conclusão: a eleição ficará cada vez mais apertada.

1- Um terço do eleitorado de direita passou a declarar voto espontaneamente em Bolsonaro depois que as candidaturas do mesmo lado político naufragaram.

  • O voto espontâneo em Bolsonaro cresceu 50% após Moro e Doria abandonarem a eleição presidencial.
  • Entre dezembro de 2021 e agosto de 2022, Bolsonaro cresceu de 20% para 31% na pesquisa espontânea, graças à captura de praticamente todos os eleitores direitistas dos antigos rivais.
  • Ao mesmo tempo, o voto espontâneo em Lula ficou estagnado em 40%. A taxa é alta mas não cresce desde 2021.
  • Nesse período, o conjunto de candidatos da chamada terceira via caiu de 7% para 4% dos votos espontâneos; só voltou a 6% nas últimas duas semanas.

E daí? A falta de alternativa para o eleitorado de direita consolidou o voto em Bolsonaro em proporção nunca vista a um mês da eleição: 97% dos seus eleitores não precisam ler o nome de Bolsonaro na cartela para declarar voto nele. Só uma reviravolta extraordinária fará esses eleitores trocarem de candidato antes do 1º turno pois não lhes resta outro com reais chances de vencer Lula - e é isso que eles querem acima de tudo.

2 - Bolsonaro é o único candidato com saldo francamente positivo na pesquisa estimulada em 2021. Seus principais adversários ficaram parados ou recuaram ao longo deste ano.

  • Entre dezembro e agosto, Bolsonaro cresceu de 21% para 32% na estimulada. Seu crescimento foi lento, discreto e constante. Bolsonaro oscilou dentro da margem de erro de um mês para outro, mas acumulou 11 pontos a mais em oito meses.
  • Ao mesmo tempo, Lula caiu de 48% para 44%; e a soma dos candidatos da terceira via despencou de 17% para 10%.
  • Nas duas últimas semanas de agosto, Bolsonaro e Lula mantiveram suas taxas, enquanto a soma de Ciro Gomes, Simone Tebet e demais candidatos foi de 10% para 12%. Essa oscilação positiva dos rivais ajudou Bolsonaro. Como?

3 - O maior risco para a estratégia bolsonarista é Lula conseguir se eleger no 1º turno - um feito inédito para um candidato do PT, mas não impossível. Para isso, Lula precisa receber mais votos do que a soma de seus adversários. Ele vinha conseguindo isso, a despeito do crescimento de Bolsonaro, até esta segunda-feira - quando o Ipec revelou que a terceira via conseguiu reverter a queda e recuperar parte dos eleitores.

  • Ao longo de 2021, Lula manteve entre 10 e 11 pontos a mais do que a soma dos rivais. Fechou o ano com 48% a 38%.
  • Em 2022 a história foi outra. Bolsonaro tirou votos de outros candidatos mas também atraiu eleitores indecisos ou que ameaçavam anular ou votar em branco. Como resultado, a margem de Lula sobre os rivais caiu de 10 para 2 pontos: 44% a 42% em meados de agosto.
  • Embora essa diferença já estivesse dentro da margem de erro da pesquisa Ipec (dois pontos para mais ou para menos), havia maior possibilidade teórica de vitória de Lula no 1º turno do que necessidade de um segundo turno de votação.
  • A ressurreição da terceira via após as entrevistas de Ciro e Tebet ao Jornal Nacional da Rede Globo na semana passada levou a um empate cravado de 44% a 44% entre Lula e seus rivais na pesquisa desta segunda-feira.
  • Mais importante do que o empate são as tendências opostas entre as intenções de voto no líder e na soma dos adversários. Pesquisa é foto, mas eleição é filme: vale o movimento.

4 - Ao longo de 2022, Bolsonaro cresceu em todos os segmentos socioeconômicos das pesquisas do Ipec. As oscilações nunca foram inferiores a 3 pontos, muitas alcançaram dois dígitos e, em um caso, o crescimento foi de surpreendentes 17 pontos.

  • Foi entre os 28% de eleitores evangélicos que Bolsonaro conseguiu seu maior feito em 2022: não apenas ultrapassou Lula, como seria eleito no 1º turno com 48% dos votos totais se a eleição fosse apenas entre os eleitores dessa religião.
  • Nas cidades grandes, Bolsonaro cresceu 12 pontos ao longo de 2022, chegando a um empate técnico com Lula: 34% contra 39% do petista (a margem de erro nesse segmento é de 4 pontos percentuais, para mais ou para menos).
  • O mesmo aconteceu nas cidades médias: 34% a 40%. Lula lidera com folga apenas nas cidades com menos de 50 mil habitantes: 51% a 28%.
  • O crescimento em todas as faixas de renda, escolaridade e divisões geográficas sugere que o motivo da ascensão de Bolsonaro não seja apenas a campanha negativa contra Lula e o PT, mas que há alguma razão econômica também.

5 - Nada disso muda o fato mais fundamental desta eleição presidencial: a maioria dos eleitores (57%) desaprova o governo Bolsonaro e quer mudança. O único jeito de o presidente contornar esse desejo é transformar o adversário, aos olhos do eleitor, em um mal ainda maior do que ele. Em outras palavras, Bolsonaro precisa multiplicar a rejeição ao candidato do PT e fazer o antipetismo superar o antibolsonarismo - ou não terá chance de vencer o rival, seja no 1º ou no 2º turno.

  • O sucesso de Bolsonaro na missão de demonizar Lula tem sido parcial. Em oito meses, do fim de 2021 ao começo de agosto de 2022, a rejeição a Lula no Ipec cresceu apenas 5 pontos, de 28% para 33%.
  • Porém, nas duas últimas semanas de agosto, quando a campanha começou para valer, os ataques do bolsonarismo acrescentaram mais 3 pontos à rejeição de Lula.
  • Ao mesmo tempo, o estelionato eleitoral com o aumento por tempo limitado do valor do Auxílio Brasil, a elevação artificial (e posterior queda) do preço dos combustíveis e outras manobras levaram à diminuição da rejeição a Bolsonaro de 55% no fim do ano passado para 47% em agosto.
  • Os 27 pontos a mais de rejeição que Bolsonaro tinha do que Lula em dezembro caíram para 11%: 47% a 36%.
  • Ainda não é suficiente para Bolsonaro se reeleger, mas, como sua estratégia de terra arrasada está dando resultados, a campanha de vale tudo só tende a piorar.

Há um efeito colateral à espreita, porém: Bolsonaro esticar tanto a corda que uma parte do eleitorado que não morre de amores por Lula e muito menos pelo PT acabe se enojando de suas manobras e decida votar útil no 1º turno para abreviar o suplício.

  • A rejeição a Bolsonaro oscilou um ponto para cima na última pesquisa Ipec, pondo fim a um longo período de queda.
  • Um ponto e uma única oscilação não fazem tendência. Só se repetidos nas próximas rodadas de pesquisa para confirmar se essa é uma hipótese factível ou um mero desejo.