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José Roberto de Toledo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

No filme da eleição, pesquisas param antes do fim

Colunista do UOL

05/10/2022 11h15

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Pesquisas eleitorais são imperfeitas como a democracia. Mas, como na democracia e no envelhecimento, a alternativa é pior. Deixar o eleitor no escuro não é só promover a desinformação, é mais perverso. Proibir o eleitor de saber onde cada candidato está na corrida eleitoral é ajudar fraudadores e manipuladores, pois impede que se narre a história. Sem história, aumenta o desinteresse pela eleição e, por tabela, o risco de abstenção.

No fim de 2017, fui convidado para falar em um grande banco sobre a eleição presidencial do ano seguinte. Da ampla janela envidraçada avistava-se a avenida Faria Lima, em São Paulo, e uma coleção de prédios espelhando uns aos outros. No lado de dentro, uma dúzia de jovens executivos uniformizados - terno cinza e camisa branca sem gravata - lotava a sala.

Estavam impacientes e, antes de o segundo slide da apresentação aparecer no telão, me interromperam:

- Seu cenário é com ou sem Lula?

Tentei argumentar que isso seria respondido logo adiante, em vão. Tinham pressa. Fechei o computador e a apresentação virou sabatina. Os questionamentos se concentravam na chance de Lula ter autorização da Justiça para disputar sua sexta eleição presidencial e sobre quem era seu adversário mais forte.

Lula estava em liberdade, mas havia sido condenado por Sergio Moro meses antes. Sobre a questão judicial, respondi, as pesquisas de opinião e o monitoramento de redes sociais tinham pouco a iluminar. Meu palpite, porém, era que não deixariam o único candidato com 30% ou mais em todas as sondagens aparecer na urna - ou todo o esforço para obter o impeachment de Dilma Rousseff teria sido à toa.

A maioria assentiu, satisfeita com a resposta. Foi a única concordância entre o convidado e os anfitriões naquela manhã.

Para responder à segunda questão, tentei explicar que as pesquisas de opinião mostravam perda da intenção de voto nos presidenciáveis do PSDB (Geraldo Alckmin e João Doria) e ganho em favor de Jair Bolsonaro (PSC). Tampouco Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT) mostravam força para ultrapassar o desbocado ex-capitão. Sem Lula, Bolsonaro era o favorito.

Imediatamente, o verbo "derreter" e seus sinônimos cruzaram a larga mesa de madeira clara, como bolinhas de pingue-pongue. Vinham de todos os lados e direções. Meus interlocutores não acreditavam que Bolsonaro e seu partido nanico pudessem fazer frente ao tempo de TV e à máquina do PSDB quando a campanha começasse para valer. Não queriam acreditar.

Porcentagens e recortes das pesquisas não me serviram para convencer os jovens banqueiros de que um governo tão impopular quanto o de Temer inviabilizaria candidatos do establishment político como Alckmin e Doria. Bolsonaro não derreteria.

O ar condicionado não deu mais conta de esfriar os ânimos e a sabatina virou discussão. Falávamos ao mesmo tempo e ninguém mais queria escutar o que eu tinha a dizer. Perdido por dez, perdido por mil. Enquanto guardava o computador, provoquei:

- Bolsonaro disputará o 2º turno contra um candidato do PT no ano que vem... e quase todos nesta sala votarão nele.

Foi a última vez que fui convidado para falar à Faria Lima.

Assim como farialimers não admitiam votar em Bolsonaro naquela ocasião, muitos eleitores não sabiam que viriam a votar em Bolsonaro quando foram entrevistados por Ipec ou Datafolha dois dias antes de irem à urna domingo passado. Alguns ainda achavam que votariam em Simone Tebet ou Ciro Gomes. Outros estavam indecisos. Havia até quem dissesse que votaria em Lula.

Seja por pressão familiar, seja por terem ido ao culto no sábado, seja por terem sido inundados de mensagens pelo WhatsApp pedindo para votar em Bolsonaro, cerca de 7 milhões de brasileiros mudaram seu voto para 22 depois que as pesquisas de véspera já haviam sido processadas e divulgadas. Como sabemos que isso pode ter acontecido?

As próprias pesquisas nos avisaram que poderia acontecer: metade dos eleitores de Tebet e Ciro admitiam mudar seu voto, assim como uma pequena franja do eleitorado lulista.

A definição ou mudança para outro candidato em cima da hora não é um fenômeno novo, mas é cada vez mais frequente. Já havia acontecido em 2016 quando Doria foi eleito prefeito de São Paulo no 1º turno. Repetiu-se em 2018 com a eleição relâmpago de Wilson Witzel governador do Rio de Janeiro. Tornou a acontecer este ano nas eleições para governador em São Paulo, Bahia, Rio Grande do Sul e Ceará, entre outras.

Pesquisa é fotografia, mas eleição é filme. Se olhamos apenas um fotograma, não sabemos bem o que acontece em cena, não temos certeza de quem está indo para qual lado.

Para saber se um candidato está caindo ou subindo, é necessário olhar várias fotos em sequência, especialmente na reta final da campanha - justamente quando o grupo decisivo de eleitores sai do lado dos indecisos, brancos e nulos ou de um candidato para outro. O problema é que as pesquisas não conseguem acompanhar a cena até o final. Param antes.

A coleta de intenções de voto começa na sexta e termina no meio do sábado. Tudo o que aconteceu com o eleitor depois disso não aparece nas pesquisas de véspera, mas vai aparecer na urna. Por isso as eleições parecem cada vez mais filmes de suspense: há sempre um susto no final. Quem dá o susto?

Graças à universalização de mídias sociais e plataformas de comunicação instantânea, muito mais eleitores são alcançáveis por candidatos e seus militantes simultânea e precisamente na hora em que estão "colando" os números que irão digitar na urna.

A habilidade para fazer essa boca de urna via WhatsApp é desigual. Uns candidatos são mais competentes do que outros. Daí que, dependendo de para quem se torce, as eleições se transformam de filmes de suspense em filmes de terror.