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José Roberto de Toledo

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Exército gasta mais com viúvas e herdeiros de generais do que com soldados

José Roberto de Toledo*

Colunista do UOL

15/05/2023 04h00

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A mão do Exército é mais amiga de uns do que de outros.

Viúvas e órfãos de generais recebem bilhões de reais todo ano. Ganham mais que todos os cabos e soldados somados.

Por uma mágica burocrática, alguns desses oficiais nem precisaram morrer para deixar pensões para seus herdeiros.

São os mortos-vivos de farda, como o ex-major Ailton Barros, preso dias atrás acusado de falsificar atestados de vacina do círculo pessoal do seu amigo Jair Bolsonaro.

O ex-major já havia sido expulso do Exército por atropelar colegas de farda de propósito e fazer campanha eleitoral dentro da Vila Militar.

Ele perdeu a patente, mas não a boquinha. Nos últimos três anos, sua esposa recebeu mais de 1 milhão de reais como viúva. Só que Ailton não morreu.

Mas pode isso? Pode: pelas regras do Exército, o militar contribui em vida para o pagamento de pensões à viúva e, mesmo expulso, não perde esse direito.

Há, no entanto, quem veja isso como só mais um exemplo da perpetuação de privilégios na carreira militar. O MP considerou "imoral" e pediu a suspensão do pagamento da pensão à esposa do ex-major Ailton.

Quem mais consome dinheiro público, aliás, são as herdeiras dos oficiais que morreram de verdade. Principalmente daqueles com as patentes mais altas.

O UOL teve acesso aos dados de pagamentos do Exército nos últimos 4 anos e constatou que:

Há mais generais por soldado por aqui do que nos EUA. Ou seja, o Brasil tem, proporcionalmente, mais generais na ativa do que o exército mais poderoso do mundo. Ambos têm 175, mas um general brasileiro comanda, em média, quase a metade de soldados que um general americano.

Para cada general de farda, há 24 generais aposentados ou na reserva —os generais de pijama— e 48 herdeiros recebendo pensões integrais. A perpetuação de privilégios gera um efeito cascata com o aumento exponencial de custo.

Existe um gasto de R$ 3,7 bi só de aposentadorias e pensões. Somadas aos salários dos generais da ativa, em torno de R$ 100 milhões ao ano, o custo das aposentadorias de generais e pagamento de pensões integrais a seus herdeiros chegaram a quase R$ 3,8 bilhões só em 2022. Esse valor corresponde ao que o governo gastou para pagar todos os 90 mil soldados e cabos da ativa no ano. Ou 40 vezes mais do que usou para arcar com 175 generais que ainda vestem farda.

O Brasil gastou R$ 94 bilhões para pagar pensões a herdeiros de militares nos últimos quatro anos, considerando todas as patentes. Teria sido suficiente para bancar o Bolsa Família a mais quase 3 milhões de famílias pelo mesmo período.

Por que isso acontece e até quando vamos pagar essa conta?

A maior parte do dinheiro usado para pagar pensões a herdeiros de militares vem do Tesouro. Elas começaram a ser pagas em 1939 a sobreviventes da Guerra do Paraguai e suas viúvas. Pouco depois, suas filhas começaram a herdar as pensões das mães que morriam.

Em 2001, o governo finalmente cortou o benefício. Mas só para quem entrou nas Forças Armadas a partir daquele ano. Manteve o privilégio até para quem estava na academia militar e ainda nem tinha filhos.

Uma projeção do Ministério da Defesa a partir da expectativa média de vida das viúvas e herdeiros estima que o contribuinte pagará a conta até 2096.

* Com reportagem de Luiz Fernando Toledo, Eduardo Militão e Silvia Ribeiro