Análise: Área pública no litoral e nas margens de rios precisa ser ampliada
No Análise da Notícia desta terça (4), o climatologista Carlos Nobre afirmou que as áreas públicas no litoral e nas margens de rio precisam ser ampliadas e não reduzidas, como prevê a PEC 3/2022 (Proposta de Emenda à Constituição), a chamada PEC da Privatização das Praias. O texto, proposto pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), é considerado um mecanismo para privatizar as áreas à beira-mar, que pertencem à União.
Precisamos aumentar as áreas públicas no litoral, além da zona costeira e nas margens de milhares de rios no Brasil. Se não tornarmos as margens em áreas públicas, vamos colocar milhões e milhões de brasileiros num enorme risco, como aconteceu no Rio Grande do Sul.
A gente tá falando aqui de rios, mas também as encostas, esses desastres na região serrana do Rio e em São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, em encostas muito íngremes, com milhões de brasileiros vivendo nessas áreas de altíssimo risco, essas pessoas têm que ser removidas dali, precisamos reflorestar toda aquela área e não pode tirar a floresta mais. Esses são desafios enormes que o Brasil tem, mas não pode fugir, não, senão nós vamos ver essa repetição aumentando a cada dia. Carlos Nobre, climatologista e colunista do UOL
Uma modificação aprovada pelo Congresso no Código Florestal que deu autonomia para municípios definirem as regras sobre obras em margens de rios tornou essas áreas ainda mais vulneráveis, destacou Nobre.
Um certo tempo atrás, o Congresso aprovou uma modificação do Código Florestal que transferia para os municípios a área que tinha que ficar sem nada na beira dos rios, na margem dos rios. Aquilo foi um absurdo. O Código Florestal lá de trás, rios como o Rio Guaíba, ele colocava lá centenas de metros, não podia ter nada.
Agora, com o Código Florestal do jeito que está, os municípios definem, quer dizer, isso é um enorme risco, nós não podemos deixar esse risco acontecendo em todas as zonas costeiras. Tem que ter leis muito rigorosas, levando em consideração todos esses extremos climáticos, quanto que as marés cheias vão invadir a costa. Não se pode realmente reduzir as áreas públicas ali nas costas. De fato, elas vão ter que aumentar. Carlos Nobre, climatologista e colunista do UOL
A necessidade do aumento das aéreas públicas está ligada à tendência das águas invadirem a costa, diz o climatologista. Para Nobre, é preciso inverter a proposta da PEC das Praias, porque áreas costeiras serão tomadas pelo mar nos próximos 30 anos.
A PEC é muito mais desafiadora, ela tem que ser ao contrário, como o nível do mar subiu muito e vai continuar subindo. Outra coisa, as tempestades em cima dos oceanos estão ficando tão mais fortes, como todas, como a do Rio Grande do Sul, como todas, no mundo inteiro. Tempestades são o que gera as ondas. Então, você tem um sistema ali de baixa pressão, com vento muito forte, aquilo transfere energia para o oceano, cria onda, a onda vai até a costa, explode. As projeções das mudanças climáticas são que as ondas em praticamente toda a costa brasileira, elas vão até 2050 chegar a dois a cinco metros de altura.
A PEC da Praia tem que ser ao contrário. Tem que ter uma medida legal no Congresso que diga que muitas áreas privadas hoje, daqui a 30 anos, não serão mais privadas, serão parte do mar.
As ressacas estão ficando mais fortes em todo o mundo, tem ressacas que, em áreas de praia muito plana, invadem centenas e centenas de metros. Isso não tem mais volta. Se a gente tiver a maior sorte do mundo e não deixar a temperatura passar de um grau e meio, o que está acontecendo já é o novo normal. Então nós temos que nos proteger muito, muito, pra isso.
O nível do mar já subiu globalmente 20, 25 centímetros e agora com o grande aquecimento que estão sendo nos últimos anos, principalmente em 2023, 2024, bateu todos os recordes, o nível do mar está aumentando mais ainda o derretimento dos mantos de gelo na Groenlândia e na Antártica cresceu muito. Então tudo isso vai fazer o nível do mar continuar aumentando por muitas décadas sem parar, e tem um enorme risco desse até 2050, isso aí, chegar além dos 20, 25 centímetros, chegar a 50 centímetros ou muito mais.
Quando o nível do mar sobe muito é lógico que, muitas praias planas, o mar vai tomar. Se a gente pegar o marco legal, que foi lá de trás, do século 19, a marinha tinha 33 metros a partir da maré máxima, mas aquilo é lá atrás. O nível do mar em lugares planos, praias planas, ele já subiu. Então esse é o primeiro ponto, na escala de décadas, o nível do mar continua subindo, está aumentando muito, a velocidade subida, e ele vai invadir todas aquelas áreas que nós chamávamos antes da marinha.
Para o climatologista, a PEC é uma péssima ideia do ponto de vista ambiental justamente por ignorar as mudanças climáticas.
Do ponto de vista ambiental é péssima, porque por alguma razão que é difícil de entender, eu não sei se os proponentes dessa proposta tanto na Câmara quanto no Senado são completamente negacionistas de mudanças climáticas, porque é muito difícil entender uma PEC que busca favorecer setor privado, mas que não reconhece as mudanças climáticas. Carlos Nobre, climatologista e colunista do UOL
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