Tradição do indulto natalino virou uma maldição
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Sob Michel Temer, o nobre conceito do indulto foi avacalhado. A clemência foi estendida aos condenados por corrupção. Mal lavado, Temer perdoou 80% das penas e 100% das multas impostas aos sujos da política. Bolsonaro decidiu recorrer ao mesmo tipo de seletividade para livrar da tranca os bandidos da polícia —civis e militares. A avacalhação converte a tradição do indulto em maldição.
Na campanha presidencial, Bolsonaro acusara o rival petista Fernando Haddad de ambicionar a Presidência para indultar os crimes do então presidiário Lula. Eleito, o capitão foi às redes sociais em novembro do ano passado para assegurar que o indulto concedido por Temer entraria para a história como o último.
"Fui escolhido presidente do Brasil para atender aos anseios do povo brasileiro", anotou Bolsonaro. "Pegar pesado na questão da violência e criminalidade foi um dos nossos principais compromissos de campanha. Garanto a vocês, se houver indulto para criminosos neste ano, certamente será o último". Era lorota.
Responsável pela elaboração da minuta do decreto de indulto, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), vinculado à pasta da Justiça, fez uma proposta sensata. Se fosse seguida, seriam beneficiados com o indulto apenas os presos com graves problemas de saúde .—coisas como câncer, aids e deficiências físicas.
Bolsonaro não gostou da exclusão dos policiais. "Vai ter policial sim, vai ter civil, vai ter todo mundo lá", declarou o capitão neste sábado. "Sempre estão esquecendo dos policiais. Sempre! Não é justo isso daí. Policial que tá preso aí por abuso porque dá dois tiros num vagabundo de madrugada, ele deu três, aí foi preso por abuso. Abuso é por parte de quem prendeu, no meu entender, não por parte dele, que estava cumprindo sua missão de madrugada."
Há quatro meses, Bolsonaro dissera que o indulto natalino de 2019 traria "nomes surpreendentes". O indulto não pode ser direcionado a pessoas específicas. Alcança genericamente os presos que se enquadram nos requisitos previamente estabelecidos. Mas auxiliares do presidente entendem que, assim como Temer incluiu os presos por corrupção, Bolsonaro pode enfiar no decreto policiais condenados, sem nominá-los.
Bolsonaro se equipa para perdoar criminosos da polícia contra um pano de fundo tisnado pela amizade de 30 anos que o vincula ao policial militar aposentado Fabrício Queiroz e às relações dele. Relações que vão da assessoria tóxica ao primogênito Flávio Bolsonaro aos vínculos com milicianos.
Conhecido como Caveira, o ex-capitão Adriano Magalhães da Nóbrega, da PM do Rio, foragido da Justiça, era amigo de Queiroz. A mãe e uma ex-mulher de Caveira, chefe de um grupo de milicianos batizado de "Escritório do Crime", foram acomodadas por Queiroz na folha salarial do gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, na Assembleia Legislativa do Rio.
Graças a um requerimento de Flávio Bolsonaro, Caveira e outro integrante de sua quadrilha, o major da PM fluminense Ronald Paulo Alves Pereira, foram homenageados na Assembleia Legislativa do Rio em 2003 e 2004. É nesse contexto que surge a intenção do presidente da República de vestir-se de Papai Noel para abrir a cela de policiais condenados.
Quando Temer levou o indulto às fronteiras do escárnio, a Procuradoria-Geral da República recorreu ao Supremo Tribunal Federal. O ministro Luís Roberto Barroso levou o pé à porta, atenuando o absurdo por meio de uma liminar. Mas Temer acabou prevalecendo no plenário da Suprema Corte.
Prevaleceu a tese segundo a qual o indulto é um ato discricionário do presidente. Ou seja: no limite, Bolsonaro pode fazer agora o que lhe der na telha. Temer usou a liberalidade do Supremo para dar um estímulo equivocado às pessoas erradas, consolidando a ideia de que o Brasil é mesmo o paraíso de corruptos, corruptores, peculatários, prevaricadores e assemelhados. Bolsonaro dirá até 25 de dezembro até onde planeja esticar a maldição, esclarecendo que tipo de país pretende construir.
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