Crise obriga o Posto Ipiranga a virar posto de saúde
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Em condições normais, dois espetáculos não são exibidos num só palco. Dividido entre um e outro, o público não dá atenção a nenhum dos dois. O coronavírus desafia essa lógica. Estava em cartaz o ajuste fiscal. O governo programara-se para anunciar nesta semana um bloqueio de gastos de R$ 40 bilhões. A pandemia viral pendurou na porta do teatro um novo letreiro: calamidade pública.
A decretação do estado de calamidade, cuja aprovação legislativa foi concluída com a inédita votação virtual do Senado, é o reconhecimento de que entrou em cartaz um espetáculo para o qual o Brasil não havia se preparado. A previsão oficial de que o PIB pode ficar zerado em 2020 é prenúncio de recessão. E o governo é obrigado a tomar a contramão da cartilha liberal. Em vez de cortar despesas, será compelido a abrir os cofres. A prioridade passou a ser não a sanidade fiscal, mas o salvamento de vidas e de empregos.
O déficit de 2020, que seria de R$ 124 bilhões, agora será bem maior. Numa primeira estimativa, o Tesouro Nacional avalia que a cratera pode chegar a R$ 200 bilhões. Essa cifra tende a ser muito maior se a calamidade pública virar um outro nome para liberou geral. Será necessário agora abrir o cofre com planejamento, coordenação e fiscalização.
Há duas semanas, Paulo Guedes dizia que a economia brasileira tem dinâmica própria e seria menos afetada pelo coronavírus. Dizia que o remédio continuava sendo a agenda de reformas estruturais. A emergência sanitária forçou o ministro da Economia a mudar de discurso —ou de ramo.
O Posto Ipiranga virou posto de saúde. Antes de salvar a economia, que migra rapidamente da enfermaria para a UTI, Guedes terá de ajudar a salvar seres humanos. Mas o Executivo e o Legislativo cometerão outro erro grave se deixarem de lado as reformas cujos efeitos se projetam para o futuro. É preciso manter os dois espetáculos no palco: a calamidade e o dia seguinte.
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