Bolsonaro, Mandetta e Caiado se juntam na caravana da insensatez sanitária
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Jair Bolsonaro, crítico feroz do isolamento social, dividiu holofotes neste sábado com dois médicos que defendem ardorosamente a estratégia do recolhimento domiciliar: o ministro Henrique Mandetta e o governador Ronaldo Caiado. Juntos, eles se tornaram cúmplices do coronavírus num ato político que submeteu ao risco de infecção uma multidão de moradores da cidade goiana de Águas Lindas, a 57 km de Brasília.
O pretexto para a realização do evento foi a visita das autoridades às obras de um hospital de campanha para 200 leitos. O espetáculo foi desnecessário e temerário. Foi supérfluo porque a politicagem não combina com a atmosfera de pandemia. Foi perigoso porque figurões mascarados, com bocas e narizes protegidos, estimularam brasileiros humildes a desafiar o vírus de peito aberto.
Tudo isso aconteceu num instante em que a contabilidade do flagelo sanitário ultrapassa as fronteiras que separam o inacreditável do insondável. De acordo com os dados divulgados pelo Ministério da Saúde, os diagnósticos positivos de coronavírus no Brasil somavam neste sábado 20.727. O número de cadáveres subiu para 1.124.
Aviões como o Airbus A330-200 e o Boeing 767-300ER têm capacidade para 221 passageiros cada. Quer dizer: desde que foi confirmada a primeira morte por coronavírus, em 17 de março esse inimigo diminuto e invisível produziu um estrago equiparável à queda de cinco aviões de grande porte.
Repetindo: num intervalo de apenas 25 dias, o vírus levou à cova o equivalente aos cadáveres que resultariam de cinco grandes tragédias aéreas sem nenhum sobrevivente. Foi contra esse pano de fundo que Mandetta e Caiado se juntaram a Bolsonaro e outras autoridades numa espécie de caravana da insensatez sanitária.
Juntaram-se à peregrinação outros três ministros: o capitão Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) e os generais palacianos Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Walter Braga Netto (Casa Civil). Esse último, apresentado no noticiário dos últimos dias como o general que se esforçava para presidir o presidente, parece agora rendido à evidência de que Bolsonaro é um governante ingovernável.
Terminada a pantomima da visita a um hospital que só deve ser inaugurado em duas semanas, Bolsonaro achou que seria uma boa ideia comportar-se como Bolsonaro. Foi ao encontro da aglomeração. Atravessou cerca de 100 metros de multidão. Distribuiu cumprimentos e selfies.
Ouvidos pelos repórteres, Mandetta e Caiado simularam uma cara de nojo. "Posso recomendar [o isolamento], não posso viver a vida das pessoas. Pessoas que fazem uma atitude dessas hoje daqui a pouco vão ser as mesmas que vão estar lamentando." Vale para o presidente?, indagou um repórter. E Mandetta: "Vale para todos os brasileiros."
"Eu sigo a parte da ciência", ecoou Caiado. "E sigo também as regras do Ministério da Saúde. As regras implantadas no Estado de Goiás são as regras do Ministério da Saúde. Então, minha posição é contra a liberação neste momento."
O ministro e o governador se abstiveram de explicar o que diabos foram fazer num evento que não teve outra serventia senão a de atrair vítimas potenciais do coronavírus para uma arapuca política. Mandetta deveria ter desaconselhado o ato. Ignorado, deveria ter homenageado a lógica e a população de Águas Lindas com a sua ausência.
Num flerte com o surrealismo, Caiado reconheceu os riscos a que a população foi submetida. Ao justificar a confraternização com Bolsonaro dias depois de ter protagonizado um rompimento cenográfico com o presidente, o governador goiano referiu-se a Águas Lindas, cidade inserida numa região habitada por 1,2 milhão de pessoas, como uma área de "altíssimo risco".
Caiado declarou que, graças à "proximidade com Brasília", onde muitos trabalham, Águas Lindas amarga uma "alta incidência de contaminação". Avaliou que o momento "grave" pedia sua presença no local. Quis "agradecer" pela construção do hospital, feita com verbas federais. Tolice. Poderia ter agradecido por ofício.
Se a política fosse feita à base de lógica, faltaria material. Não havia inocentes no picadeiro de Águas Lindas, só culpados e cúmplices. Mandetta e Caiado podem imaginar que é possível se distanciar na base do gogó do comportamento aloprado de Jair Bolsonaro. Engano. Quem observa de longe não consegue distinguir quem é quem por trás das máscaras.
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