Topo

Josias de Souza

Centrão sugere ligar neo-CPMF à renda mínima

Presidente Jair Bolsonaro no Palácio da Alvorada - UESLEI MARCELINO
Presidente Jair Bolsonaro no Palácio da Alvorada Imagem: UESLEI MARCELINO

Colunista do UOL

19/07/2020 06h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Num ponto, política e propaganda são muito parecidas. Ambas visam convencer terceiros a comprar ideias nas quais nem os criadores acreditam. Por exemplo: líderes do centrão sugeriram ao ministro Paulo Guedes (Economia) vincular a proposta de criação de um tributo sobre transações financeiras à necessidade de financiar o novo programa de renda mínima.

O tributo é uma versão digital da velha CPMF, também chamada de imposto do cheque. O programa de renda mínima —ou Renda Brasil— é o Bolsa Família turbinado. A troca de logomarca tem propósitos meramente eleitoreiros. Deseja-se apagar os governos do PT da memória dos beneficiários, encostando o benefício na imagem de Bolsonaro.

Há grande resistência no Congresso à proposta de recriar a CPMF. Na avaliação dos caciques do centrão, seria mais fácil dissolver a aversão dos congressistas se o tributo fosse associado à ideia de obter recursos para socorrer os brasileiros pobres na fase pós-pandemia. Levaram a tese a Guedes dois caciques do centrão: Arthur Lira, líder do PP; e Wellington Roberto, líder do PL.

Durante a crise do coronavírus, a clientela do Bolsa Família, que usufruía de benefício médio de R$ 190 por mês, passou a receber o auxílio emergencial de R$ 600. O socorro foi estendido aos trabalhadores informais cuja renda foi sugada pela pandemia. A última parcela da ajuda será paga em agosto.

Pesquisas feitas por encomenda do Planalto revelaram que o auxílio de R$ 600 não socorreu apenas os brasileiros pobres. Acudiu também Bolsonaro, retardando a queda de sua popularidade. O governo e o presidente não perdem oportunidade de bater bumbo. Há dois dias, a Caixa Econômica Federal levou ao ar uma publicidade com aparência de propaganda eleitoral. (assista abaixo).

Na retórica oficial do governo, a nova CPMF está vinculada ao Renda Brasil apenas indiretamente. O que se diz é que o governo ofereceria estímulos para que os beneficiários da renda mínima —os antigos e os novos— se inserissem no mercado de trabalho.

Quem conseguisse elevar a própria renda, seria brindado com um acréscimo de 20%, chamado de "imposto de renda negativo." Para estimular a contratação formal, o governo desoneraria a folha salarial, reduzindo o custo da mão de obra para as empresas. É nesse ponto que entra a ressurreição da CPMF. Guedes alega que a tributação das operações financeiras digitais é necessária para compensar a perda de arrecadação decorrente da desoneração da folha.

Com ou sem CPMF, o aperfeiçoamento do programa de amparo do estado aos brasileiros pobres tornou-se, do ponto de vista social, incontornável. Sob a ótica eleitoral de Bolsonaro, a coisa virou questão de vida ou morte. Ironicamente, um dos políticos que mais criticavam o Bolsa Família virou, por assim dizer, dependente do programa.

Em maio de 2012, Bolsonaro se referia aos beneficiários do programa de distribuição de renda como "voto de cabresto do governo" petista. Em outubro de 2014, tachou o Bolsa Família de "crime".

Na campanha de 2018, o capitão mudou de ideia. Disse que, eleito, pagaria o 13º salário para o Bolsa Família. Agora, prepara-se para reforçar o "cabresto". Uma evidência de que, em política, nada se perde e nada se transforma —tudo se adapta.

Veja a evolução do pensamento de Bolsonaro sobre o Bolsa Família: do "cabresto" ao 13º

UOL Notícias