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Josias de Souza

Com o fim da eleição, Brasília volta ao (a)normal

Luciana Amaral/UOL
Imagem: Luciana Amaral/UOL

Colunista do UOL

29/11/2020 14h58Atualizada em 29/11/2020 17h56

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Concluído o segundo turno da disputa pelas prefeituras, o governo de Jair Bolsonaro e o Congresso Nacional serão pressionados a religar as fornalhas de Brasília. Executivo e Legislativo fogem da realidade. Mas presidente, ministros e parlamentares sabem que a realidade é o único lugar onde se pode enfrentar problemas como o desequilíbrio das contas nacionais e o desemprego que mantém no olho da rua 14,1 milhões de brasileiros.

Com as crises sanitária e econômica a pino, a disputa eleitoral servia de pretexto para retardar a votação de reformas tão prioritárias quanto a administrativa e a tributária. Está na gaveta também a proposta que autoriza a suspensão de concursos, redução de jornada e de salários de servidores para evitar o estouro do teto. Às portas do Ano Novo, nem mesmo a comissão que deveria analisar o Orçamento da União para 2021 foi instalada.

É improvável que reformas tidas como prioritárias sejam aprovadas ainda em 2020. Não é negligenciável a hipótese de o país virar o ano sem orçamento. Mas os atores de Brasília terão de arranjar desculpas novas. A campanha eleitoral não serve mais de muleta. Aliás, já não servia antes. A tese segundo a qual congressistas precisam dar atenção às suas bases eleitorais já havia perdido o prazo de validade.

A pandemia introduziu na rotina do Legislativo as sessões por videoconferência. Senadores e deputados não precisariam nem se deslocar até Brasília para deliberar. Não utilizaram as ferramentas tecnológicas por absoluto desinteresse. O Planalto poderia ter tentado mobilizar sua tropa legislativa para obter votações pontuais. Mas Jair Bolsonaro vinculou-se durante o período eleitoral a uma agenda desconexa.

O presidente desperdiçou nacos do seu tempo nas últimas semanas com coisas tão exóticas como a celebração do que imaginava ser o fiasco da vacina CoronaVac —"Mais uma que o Jair Bolsonaro ganha!"—; o convite aos brasileiros para que enfrentem o vírus de peito aberto —"Tem que deixar de ser um país de maricas"—; e a ameaça de pegar em armas para deter uma hipotética invasão de Joe Biden à Amazônia —"Quando acabar a saliva, tem que ter pólvora".

Joga-se em Brasília um jogo de empurra que não orna com a gravidade do momento. Bolsonaro se finge de morto, abstendo-se de articular privatizações e reformas. O ministro Paulo Guedes (Economia) se diz "frustrado" por não ter vendido nenhuma estatal e transfere para o Congresso a responsabilidade por tirar as reformas do papel. "Quem dá o timing é a política", diz Guedes, esquivando-se de incluir na equação a inércia do Planalto.

Enquanto o Executivo lava as mãos, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, entoa metáforas apocalípticas. Declarou dias atrás que o Brasil caminha para o abismo se não regulamentar os gatilhos que disparam cortes de despesas antes do rompimento do teto de gastos. Manifestou sua preocupação com o aparente isolamento de Paulo Guedes no governo.

Há duas semanas, na virada do primeiro para o segundo turno das eleições municipais, Maia disse ter pressa para retomar as votações na Câmara. Vaticinou que o Brasil deve enfrentar uma turbulência porque há muita "dúvida sobre qual é a posição do governo" em relação à agenda de reformas. "O governo não é só a equipe econômica", declarou Maia. "Não sabemos qual vai ser a posição do governo em questões muito difíceis e polêmicas."

Embora não mencione o nome de Bolsonaro, Maia como que joga a batata quente no colo do presidente, atribuindo-lhe a responsabilidade por arregimentar a tropa no centrão no Legislativo. O Planalto mantém com as legendas do centrão um relacionamento improdutivo. Cedeu cargos e verbas orçamentárias. Entretanto, afora a blindagem política oferecida ao presidente, a rendição ao fisiologismo ainda não produziu vitórias legislativas para o governo.

O país assiste a uma encenação sem mocinhos. O comando do Congresso e os mandachuvas dos partidos concordaram em empurrar a agenda legislativa com a barriga até depois da eleição. Paulo Guedes se queixa do Legislativo, mas esquece que seu chefe não arregaça as mangas.

Diante da deterioração dos indicadores econômicos, Bolsonaro lança mão de um álibi que começou a construir em março, quando se eximiu de assumir a coordenação nacional da pandemia. Na última segunda-feira, ele declarou: "O pessoal tem reclamado do preço dos alimentos. Tem subido, sim, para além do normal, a gente lamenta isso daí. Também é uma consequência do 'fica em casa'. Quase quebraram a economia."

Bolsonaro revela-se capaz de quase tudo, só não consegue enxergar no espelho a imagem de um corresponsável pela administração da crise. Pior: o presidente emite sinais de que pode ajudar a agravar o problema. Teme-se que ele mande às favas o teto de gastos para engordar o Bolsa Família ou colocar em pé um programa de renda mínima para substituir o auxílio emergencial da pandemia, que acaba em 31 de dezembro.

Sabe-se que não há nos cofres do Tesouro dinheiro para aventuras populistas. Mas o desejo de Bolsonaro é compartilhado pelo centrão. O que faz com que, terminado o processo eleitoral, Brasília volte à (a)normalidade. Uma anormalidade que inclui a circulação de ideias como estender o Orçamento de Guerra da pandemia até 2021, renovar o auxílio emergencial ou lançar um novo programa social capaz de ladrilhar o caminho para as urnas de 2022. Tudo isso sem responder a uma indagação singela: de onde virá o dinheiro?