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Josias de Souza

Biden e Covid pedem um Itamaraty profissional

Colunista do UOL

19/01/2021 20h15

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A chegada de Joe Biden à Casa Branca e a dependência de insumos farmacêuticos chineses para a fabricação de vacinas contra a Covid-19 impõem ao governo Bolsonaro um desafio: a substituição das relações exteriores baseadas na ideologia pelo velho e bom profissionalismo da diplomacia brasileira. Retirados de cena desde 2019, os profissionais do Itamaraty precisam retornar ao palco para obter dois objetivos estratégicos.

O primeiro objetivo é a troca do relacionamento personalíssimo que Jair Bolsonaro desenvolveu com Donald Trump por uma relação institucional com o novo governo dos Estados Unidos, que começa nesta quarta-feira.

O segundo objetivo é a dissolução da sinofobia, sentimento antichinês que leva a China a retardar a liberação da matéria-prima que garantirá o suprimento das duas únicas vacinas à disposição dos brasileiros na pandemia: a CoronaVac, que começou a ser distribuída graças ao Butantan; e a de Oxford-AstraZeneca, a ser fornecida via Fiocruz.

Tradicionalmente, o Itamaraty é uma instituição de estado capaz de proteger o interesse nacional das oscilações conjunturais. Sob Bolsonaro, perdeu-se a noção de que a diplomacia traz a essência embutida no nome. Para funcionar, a diplomacia precisa ser macia.

A primeira reação de Bolsonaro à prioridade ambiental anunciada por Joe Biden foi a ameaça de trocar a saliva pela pólvora. Avesso a tudo o que vem da China, Bolsonaro tachou de inconfiável a "vacina chinesa do João Doria", sem se dar conta de que também o imunizante de Oxford, no qual seu governo apostou, tem princípio ativo chinês.

Porta-estandarte da diplomacia do tranco, o chanceler Ernesto Araújo resumiu numa frase a política externa em vigor. Disse que, se a atuação do Itamaraty "faz de nós um pária internacional, então que sejamos esse pária."

Em junho de 2019, Bolsonaro comparou seus ministros a fusíveis. "Para evitar queimar o presidente, eles se queimam", disse ele na ocasião. Hoje, auxiliares do próprio presidente avaliam que Bolsonaro talvez tenha que submeter o ministro Araújo à lógica do fusível. Sob pena de queimar o próprio interesse nacional.