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Josias de Souza

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Vídeo reforça a convicção de que Brasil planejou 'vacinocídio' com método

Pedro Ladeira/Folhapress
Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Colunista do UOL

04/06/2021 18h46

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Dois dias depois de Bolsonaro ter celebrado em rede nacional de rádio e TV a marca de 100 milhões de doses de vacina distribuídas a estados e municípios, veio à luz um vídeo desconcertante. A peça constitui uma sólida evidência de que o presidente Bolsonaro foi mesmo assessorado na gestão da pandemia por um gabinete paralelo, alheio ao Ministério da Saúde. As imagens foram exibidas nas redes sociais do próprio Bolsonaro em setembro do ano passado. Reexibidas agora pelo site Metrópoles, convidam à reflexão.

O vídeo exibe Bolsonaro reunido com médicos arregimentados pelo ex-ministro e deputado Osmar Terra. As cenas mostram defesas explícitas do uso da cloroquina no tratamento da Covid. Àquela altura, o mundo já havia colecionado evidência sobre a ineficácia do remédio.

Escutam-se comentários céticos em relação às vacinas. Sabe-se agora que, dois meses antes, a Pfizer e o Butantan já haviam formalizado ofertas ao Ministério da Saúde de 130 milhões de doses, com entregas a partir de dezembro. E o governo dava de ombros. Alega-se agora que as vacinas ainda não estavam aprovadas pela Anvisa. Conversa mole. O governo adquiriu as vacinas de Oxford-AstraZeneca ainda na fase de desenvolvimento, sem aval da Anvisa.

O virologista Paolo Zanotto, um dos que colocaram em dúvida a eficácia e até a necessidade de vacinas contra a covid, diz a certa altura na reunião ter formalizado por escrito a proposta de criação de um "gabinete das sombras". Coisa destinada a assessorar Bolsonaro na moita, sem publicidade.

A elucidação do modelo de funcionamento desse gabinete paralelo é uma das prioridades da CPI da Covid. Muita gente enxerga a apuração como uma tolice. Seria algo como chorar o leite derramado. Alega-se que nada vai desfazer o que está feito. Mais importante do que lamentar a situação ou culpar quem nos colocou nela seria encontrar saídas para apressar a vacinação dos brasileiros. Não é bem assim.

Todo brasileiro que dispõe de dois neurônios deve fazer o que estiver ao alcance para abreviar a imunização da sociedade. Mas o país tem o direito de saber que o derramamento do leite —ou o "vacinocídio"— foi um projeto planejado e executado com método.

Osmar Terra, espécie de titular do gabinete das sombras, estimou no ano passado que o coronavírus não mataria mais do que mil pessoas no Brasil. Caminhamos em marcha batida rumo à marca dos 500 mil mortos. Como confiar uma bandeja com um copo de leite, ou a liderança de um debate sobre remédios e vacinas, a personagens desse tipo?

Numa crise em que a demora na obtenção de vacinas pode representar a morte, é essencial saber quem derramou o leite, por que, em cima de quem e em que circunstâncias.