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Josias de Souza

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Bolsonaro virou o sujeito oculto da lista de investigados da CPI da Covid

Frederico Brasil/Futura Press/Estadão Conteúdo
Imagem: Frederico Brasil/Futura Press/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

18/06/2021 16h46

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Renan Calheiros, o relator da CPI da Covid, divulgou nesta sexta-feira uma lista com os nomes das pessoas que passarão a ser tratadas pela comissão como investigadas, não mais como testemunhas. A relação inclui 14 nomes, entre eles o do ministro da Saúde Marcelo Queiroga, do seu antecessor Eduardo Pazuello e o do ex-chanceler Ernesto Araújo. Entretanto, o protagonista da lista de Renan não teve o nome anotado na folha de papel: Bolsonaro.

O próprio Renan anunciou o desejo incontido de investir contra o sujeito oculto da CPI: "Estamos refletindo, meditando, ouvindo instituições. Se a CPI puder investigar diretamente o presidente da República, eu queria dizer que vamos investigar."

A legislação não autoriza comissões parlamentares de inquérito a convocar presidentes. Mas Renan está à procura de brechas legais. Mencionou a hipótese de interrogar Bolsonaro por escrito, algo que tampouco tem previsão legal.

"Aparecendo fatos como estão aparecendo, a CPI deve responsabilizar o presidente", insistiu o senador. "A CPI vai ter que responsabilizar, porque, diante de provas, não há como não responsabilizar, seria o não cumprimento do nosso papel. Mas, se puder, vamos investigar sim".

Renan referiu-se a Bolsonaro como o "louco" que ocupa a Presidência, de onde "todo dia atenta contra a vida dos brasileiros". Referia-se à transmissão feita na véspera pelo presidente, por meio de suas redes sociais. Nela, Bolsonaro repetiu barbaridades anticientíficas.

O presidente voltou a insinuar, por exemplo, que a infecção por coronavírus oferece imunidade mais eficiente contra a covid do que a vacinação. Reiterou sua aversão ao uso de máscaras.

"Eu já me considero, me considero não, eu estou vacinado, entre aspas", declarou Bolsonaro. "Todos que contraíram o vírus estão vacinados, até de forma mais eficaz que a própria vacina, porque você pegou o vírus pra valer. Então, quem contraiu o vírus, isso não se discute, está imunizado."

Já está demonstrado que os contaminados pelo vírus não ficam livres de reinfecções. Portanto, Bolsonaro mente. De resto, o apreço do presidente pela imunização sem vacinas desconsidera o fato de que a infecção sujeita o doente à morte.

"Enquanto eu for presidente, [...] nós vamos lutar para que o cidadão de bem tenha armas e seja desobrigado a usar máscara, com o parecer do Ministério da Saúde nesse sentido", afirmou Bolsonaro noutro trecho de sua transmissão ao vivo. A máscara integra o arsenal não farmacológico contra o coronavírus em todos os países do mundo. O artefato começa a ser dispensado nos países em que a vacina chegou a mais de 50% dos habitantes. No Brasil, pouco mais de 11% tomaram duas doses de vacina. A fala do presidente, portanto, não faz nexo.

O nome de Bolsonaro constará do relatório final de Renan. Isso é certo como o nascer do Sol a cada amanhecer. A recomendação de indiciamento do presidente da República tem o apoio do chamado G7, grupo majoritário na CPI. A questão é saber qual será o efeito da citação.

A cúpula da CPI busca o assessoramento de juristas para definir os crimes que serão imputados ao presidente por ter retardado a compra de vacinas, transformando em política pública o charlatanismo do tratamento precoce à base de cloroquina. Há evidências de que Bolsonaro atuou como lobista de laboratórios, intermediando a compra de insumos da Índia. E não abandonou até hoje o papel de difusor da chamada imunidade de rebanho.

O problema é que o presidente dispõe de uma dupla blindagem contra as investidas da CPI. Augusto Aras, o procurador-geral que não procura, exibe disposição incontida para frear pedidos de abertura de ação penal contra Bolsonaro. Arthur Lira, o presidente da Câmara, não hesitará em enfiar no gavetão de assuntos pendentes mais um pedido de impeachment contra Bolsonaro. Vem daí o sentimento de invulnerabilidade que mantém a língua do presidente solta.