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Josias de Souza

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Graças ao Judiciário, rachadinha vai virando um outro nome para impunidade

UESLEI MARCELINO
Imagem: UESLEI MARCELINO

Colunista do UOL

06/07/2021 03h30

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Os fatos tornaram Flávio Bolsonaro um presumido culpado no caso da rachadinha. Até que o primogênito do presidente provou ser influente na cúpula do Judiciário. O personagem alega inocência. Confrontado com muitas evidências em contrário, um inocente convencional faria questão de ser julgado rapidamente, para demonstrar sua honorabilidade. Flávio prefere a Justiça que tarda, mas não chega. Deseja a prescrição, não a sentença absolutória. Envolvido no escândalo, o patriarca do clã Bolsonaro prefere esquecer. O capitão confunde amnésia com consciência limpa.

O Supremo Tribunal Federal acaba de dar à primeira-família dois presentes. Rejeitou pedido de investigação sobre os R$ 89 mil depositados na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro pelo operador de rachadinhas Fabrício Queiroz. E transferiu para o ministro Nunes Marques, a toga preferida de Bolsonaro, a escolha da data em que será julgado na Segunda Turma da Suprema Corte o recurso que parou o relógio do processo contra Flávio.

Originalmente, o primogênito ralava na 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, comandada pelo juiz Flávio Itabaiana. Comia o pão que o Tinhoso amassou. Em junho de 2019, conseguiu levar o processo para o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o foro privilegiado dos deputados estaduais. O Ministério Público recorreu. Antes que o TJ fluminense decidisse se o caso voltaria ou não para a primeira instância, Flávio foi ao Supremo. Obteve de Gilmar Mendes uma liminar que travou a encrenca "até o julgamento do mérito da reclamação".

Gilmar imprimiu ao caso um ritmo de tartaruga com Covid. Expediu a liminar em janeiro. Apenas em maio liberou o processo para julgamento. Embora fosse o presidente da Segunda Turma, absteve-se levar o tema à pauta. Sobreveio o recesso do meio do ano. Na volta das férias, em agosto, a presidência da turma passará a ser exercida por Nunes Marques, a quem caberá pautar, após mais de seis meses de protelação, o julgamento da petição engavetada.

Não é a primeira vez que o Supremo assegura a Flávio Bolsonaro a contagem de tempo para a obtenção do Bolsa Prescrição. Em julho de 2019, a pedido da defesa do Zero Um, Dias Toffoli, então presidente do tribunal, suspendeu todos os processos judicias em tramitação no país que incluíssem dados fornecidos pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o Coaf. Entre os beneficiários estava, naturalmente, Flávio, o invulnerável.

A decisão era flagrantemente inconstitucional. Mas só foi derrubada pelo plenário do Supremo, com o voto do próprio Toffoli, seis meses depois. Significa dizer que, juntos, Gilmar e Toffoli, adicionaram ao projeto prescrição pelo menos um ano de protelação. Ganha duas doses da vacina indiana Covaxin quem for capaz de adivinhar quanto tempo Nunes Marques sentará em cima da reclamação que o príncipe deseja retardar.

Enquanto brinca de esconde-esconde, esquivando-se de um veredicto, Flávio desfruta da solidariedade de outra Corte brasiliense, o Superior Tribunal de Justiça. Em fevereiro, a Quinta Turma do STJ anulou as quebras de sigilo bancário e fiscal determinadas pelo juiz Flávio Itabaiana. Alegou-se que o magistrado não fundamentou adequadamente as quebras. Foram à lata de lixo documentos que atestaram o escoamento de mais de R$ 6 milhões em verbas públicas pela fenda aberta no antigo gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio.

Com a ajuda do Judiciário, a rachadinha vai virando um outro nome para impunidade. Livres de castigo, Bolsonaro e seus filhos viraram arroz de festa num noticiário em que a apropriação de verbas públicas se mistura a transações imobiliárias sacramentadas com dinheiro vivo. Na penúltima aquisição, o Zero Um acrescentou ao seu patrimônio uma mansão em Brasília escriturada pela bagatela de R$ 5,97 milhões. Uma evidência de que depois da impunidade vem a bonança.