Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
CPI expõe naufrágio, mas centrão mantém Bolsonaro como maestro do Titanic
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
Mal comparando, o relatório final da CPI da Covid se assemelha ao enredo de um filme trágico. O conteúdo virá à luz nos próximos dias. A sinopse, entretanto, já é bem conhecida. Relata a história de uma embarcação temerária, uma tripulação alienada e uma imensa pedra de gelo. Tudo muito parecido com Titanic. Ninguém ignora o final. Mas a orquestra do centrão ajusta o repertório, conferindo a Bolsonaro a aparência de maestro de um transatlântico a caminho das profundezas.
A pandemia compõe o pano de fundo como uma tempestade incontornável. Sabia-se desde o início que haveria muitas mortes. O mérito da investigação parlamentar foi o de reunir evidências de que a tragédia foi magnificada por uma estratégia errática. Nela, misturaram-se o negacionismo, a aposta na cloroquina, a crença na imunização de rebanho e a demora na aquisição de vacinas. Sonegaram-se deliberadamente botes salva-vidas a muitos dos mais de 600 mil mortos.
O iceberg tem contornos econômicos. Bolsonaro foi o primeiro a se dar conta dos riscos no alvorecer da pandemia. Em março do ano passado, ele dizia: "Se a economia afundar, afunda o Brasil. E qual o interesse dessas lideranças políticas? Se acabar a economia, acaba qualquer governo. Acaba o meu governo. É uma luta de poder." Com água pela cintura, o presidente não enxergava o vírus. Ele só tinha olhos para a reeleição. Político que não ambiciona o poder vira alvo. Político que só ambiciona o poder erra o alvo.
A orquestra desliza pelo convés. A água entra nos trombones. Agarrados aos instrumentos, os músicos do centrão permanecem nos seus postos. Não ignoram a dramaticidade do momento. Mas o solista Arthur Lira distribui nacos do orçamento secreto. Financiadas pelo déficit público, nem uma nota soa fora do lugar. O relatório da CPI exibe tubarões entrando pelas escotilhas. As previsões econômicas para 2022 indicam que as caldeiras estão explodindo. E o maestro, com água pelo pescoço, sacode a batuta em meio a um fundo musical marcado pelo tilintar de verbas.
Augusto Aras, o procurador-geral que nunca acha, observa a cena como um espectador embevecido. Embora também não desconheça a gravidade do momento, comporta-se como se atribuísse o desnível acentuado do chão à qualidade do champanhe. Os membros da CPI esperam que Aras diga alguma coisa quando receber as conclusões da investigação. Pode-se antever as últimas palavras do chefe do Ministério Público Federal: "Glub, glub, glub."
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.