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Bolsonaro virou símbolo da estupidez inimputável
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"Presidente, por que o senhor não foi de manhã no encontro do G20?". A pergunta do repórter Leonardo Monteiro, da TV Globo, fazia sentido, pois Bolsonaro passeava pelo centro histórico de Roma como um turista incidental depois de negligenciar a abertura dos trabalhos do último dia do encontro dos líderes das maiores economias do mundo. Esnobara também a foto de encerramento, que reunira os chefes de Estado na Fontana di Trevi, um dos cartões postais da capital italiana.
Espremido, Bolsonaro comportou-se como se não devesse nada a ninguém. Muito menos explicações. "É a Globo? Você não tem vergonha na cara?" O repórter insistiu: "Oi, presidente, por que o senhor não foi de manhã nos eventos do G20?" Bolsonaro não se deu por achado: "Vocês não têm vergonha na cara, rapaz." Um dos agentes que faziam a segurança do capitão empurrou o repórter, desferindo-lhe um soco no estômago.
Reforçada por agentes cedidos pelo estado italiano, a equipe de guarda-costas de Bolsonaro acionou os músculos contra os jornalistas. Distribuíram-se empurrões. Jamil Chade, do UOL, que filmava as agressões, foi agarrado pelo braço. Tomaram-lhe o celular. Cobrou a identificação do agressor. Foi ignorado. Minutos depois, o segurança jogou o aparelho no asfalto, com a câmera voltada para o céu.
O prenúncio de encrenca surgira mais cedo, quando a repórter Ana Estela de Sousa Pinto, da Folha, fora empurrada defronte da embaixada brasileira, quando Bolsonaro ainda se encontrava dentro do prédio. Agrediram-se também repórteres da BBC Brasil e de O Globo.
Quando seguranças percebem que a autoridade patrocina hostilidades, passam a crer que fazem parte de uma milícia onipotente. A insensatez de Bolsonaro é um estímulo à violência. Com sua retórica encrespada, o presidente empurra os agentes para a delinquência. A cumplicidade criada entre protegido e protetores explica a conversão do esquema de segurança em anarquia.
A truculência de Roma emoldura um problema maior: o apagão mental das autoridades que deveriam impor limites a Bolsonaro no Brasil. A Procuradoria-Geral da República o enxerga como inviolável e imune. O Legislativo e o Judiciário o tratam como intocável e impune.
Há um mês, Bolsonaro já expusera o Brasil a vexame ao exibir seu arcaísmo num discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU. A ida do capitão ao encontro do G20 revelou-se mais uma inutilidade a serviço da desmoralização do país.
As viagens internacionais do presidente não servem senão para reforçar a sensação de que a imagem do Brasil no estrangeiro tornou-se um borrão. Uma mancha na qual se misturam o desastre sanitário, os arroubos antidemocráticos, a estagnação econômica e a destruição ambiental.
Bolsonaro realizou o pesadelo que frequentava os sonhos do antichanceler Ernesto Araújo —aquele sujeito que, antes de ser expurgado do comando do Itamaraty, difundiu a tese segundo a qual se a atuação do governo bolsonarista faz do Brasil "um pária internacional, então que sejamos esse pária."
O brasileiro paga as viagens do presidente para que ele seja pária no estrangeiro. Só Bolsonaro não paga por nada. Todos os seus defeitos estão perdoados. Seus crimes foram preventivamente prescritos. É como se vigorasse um entendimento tácito de que ser Bolsonaro já é castigo suficiente para qualquer um. O problema é que o personagem se esforça para demonstrar que não é qualquer um.
Bolsonaro deixou de ser qualquer um quanto transformou a Presidência na única repartição pública privatizada durante sua gestão. O presidente transformou-se num símbolo de todos os privilégios que o déficit público pode pagar. Governa como um símbolo do patrimonialismo.
Graças à inércia das instituições nacionais, o símbolo não precisa responder pelo que simboliza. Livre de todos os incômodos, Bolsonaro entrou para a galeria dos seres inimputáveis, ao lado dos menores de idade e dos índios isolados. O Brasil é presidido pelo símbolo da estupidez inimputável.
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