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Josias de Souza

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Chacina em jardim de infância introduz realidade no que restava de fantasia

Colunista do UOL

06/04/2023 09h32

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Há uma novidade perturbadora na chacina infantil de Santa Catarina. Ao executar quatro crianças e ferir outras cinco, o covarde de Blumenau conspurcou o que parecia ser a última reserva ambiental urbana: o jardim de infância. Ao golpear com uma machadinha criancinhas que estavam no parquinho de uma creche privada, o assassino injetou realidade no pouco que restava da fantasia brasileira. O homicida rodou um filme em que que cabemos todos, dos bebês aos avós. Vem daí o nosso frêmito de horror.

O sangue da creche respingou nos nossos sapatos. Fomos sugados para o centro da cena. Houve um processo hediondo de inclusão. Até o presidente da República abandonou os seus afazeres para despejar luto e repulsa nas redes. Convocou ministros ao Planalto. Cobrou providências. De repente, o filme éramos todos nós. A despeito da proliferação dos ataques em escolas, não estávamos acostumados a esse nível de terror. Isso era coisa de maluco norte-americano.

As reações indicam que ainda não descobrimos como lidar com o insolúvel. O governo federal anunciou a liberação de uma verbazinha de R$ 150 milhões a pretexto de ajudar estados e municípios a colocar policiais nas portas das escolas. Cinquenta servidores da pasta da Justiça vão procurar na deep web encrencas que já navegam na superfície da internet. Reúne-se nesta quinta-feira em Brasília um grupo de trabalho interministerial para resolver um problema do qual seus integrantes não têm muita noção.

O enredo do terror brasileiro é feito de uma liga pegajosa em que se misturam a alta tecnologia das redes, o esterco de uma ideologia odiosa e os detritos de um país em decomposição. É como se o Brasil estivesse por inteiro no pátio do jardim de infância, assistindo à invasão do seu penúltimo faz de conta, sem saber o que fazer quando surgir o próximo Freddy Krugger. O país rodopia a esmo, como um parafuso espanado. O mais inquietante é que ainda não subiu nenhum letreiro. Viramos personagens de um filme sem fim.