Josias de Souza

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Opinião

A essa altura, retratação pedida por Pacheco seria uma rendição

Com 72 horas de atraso, o presidente do Senado e do Congresso, Rodrigo Pacheco, cobrou de Lula uma retratação pelo comentário segundo o qual a matança de palestinos em Gaza não tem precedente histórico, exceto "quando Hitler resolveu matar os judeus." Embora tardia, a exortação de Pacheco faz sentido. Porém, um pedido de desculpas de Lula a essa altura, além de improvável, soaria como uma rendição diante do contravapor oportunista de Benjamin Netanyahu e do ministro israelense das Relações Exteriores, Israel Katz.

Lula forneceu um caixote para que Netanyahu e seu chanceler entoassem desde domingo o discurso de heróis da resistência contra o antissemitismo embutido na diatribe do presidente brasileiro. Para o governo que enfrenta um crescente isolamento internacional, a oportunidade foi providencial. A virulência da reação de Tel Aviv inibiu o recuo de Lula, que já estava programado.

Nesta terça-feira, depois de uma convocação cruzada de embaixadores, o chanceler de Netanyahu desferiu algo muito parecido com um joelhaço virtual. Israel Katz marcou Lula numa postagem em que anota nas redes sociais que "milhões de judeus em todo o mundo estão à espera do seu pedido de desculpas." Indagou: "Como ousa comparar Israel a Hitler?" Grudou em Lula a pecha de "negador do Holocausto". A retratação, que já havia sido descartada, tornou-se inviável e inútil.

É inviável porque, se Lula desse o braço a torcer, ficaria agachado diante de uma provocação barata. É inútil porque, a despeito do talento político que se atribui a Lula, toda sua habilidade não daria para vestir 5% das desculpas esfarrapadas disponíveis para contornar o fato de ter jogado o holocausto no ventilador. Resta apostar na capacidade do tempo de resfriar a crise e no talento da diplomacia brasileira para contornar desastres.

De resto, Lula faria um bem a si mesmo se aproveitasse a crise de vento que produziu para procurar um rumo para sua política externa. Depois de dar a volta ao mundo proclamando que "o Brasil voltou", o presidente deveria questionar aos seus botões: "Voltou para quê?"

Encantado com o som da própria voz, Lula já havia comprometido a pretensão de atuar como mediador da guerra entre Ucrânia e Rússia ao igualar o país invasor ao invadido. Agora, comprometeu a chance influir no cerco internacional contra os crimes de guerra de Israel ao gastar como um líder estroina parte do patrimônio conquistado pelo Itamaraty na condução equilibrada do tema no âmbito do Conselho de Segurança da ONU.

A debilidade do governo seminovo de Lula revelou-se também no estratégico setor ambiental. Nessa área, o governo desperdiçou indicadores de mostruário. Podendo exaltar a redução do desmatamento, a restauração do Fundo Amazônia e a promessa de financiamento público à economia de baixo carbono, preferiu aderir à Opep+, um puxadinho do cartel de países que não têm interesse senão em retardar a transição energética.

Tudo isso e mais os salamaleques dirigidos a ditadores como Nicolás Maduro e Vladimir Putin. Enquanto silencia para as afrontas antidemocráticas do companheiro venezuelano, Lula concede o benefício da dúvida ao indubitável autocrata russo. Na mesma entrevista em que encostou o holocausto em Gaza, Lula foi questionado sobre a morte de Alexei Navalny, o principal opositor de Putin. Declarou: "Se a morte está sob suspeita, temos que primeiro fazer uma investigação para saber do que o cidadão morreu." Impaciente, perguntou: "Para que essa pressa de acusar alguém?"

Se a incoerência retórica de Lula serve para alguma coisa é para evidenciar que a política externa do governo precisa ser refrigerada por uma lufada de ar fresco. Convém a Lula fazer um esforço para transformar em energia o vapor das crises de vento que fabrica.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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