Josias de Souza

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Opinião

Ironia suprema: Bolsonaro vai à PF e Flávio Dino assume no STF

A história do Brasil contemporâneo se comporta como se tivesse pretensões literárias. A historiografia parece buscar paralelos na dramaturgia grega. Exagera nos detalhes. Esforça-se para demonstrar que o exato está no exagero.

Brasília viveu uma superquinta crivada de ironias. O depoimento simultâneo à Policia Federal de Bolsonaro e dos militares acusados de tramar com ele um golpe de Estado foi separado da posse no Supremo Tribunal de Flávio Dino, regente da reação ao golpismo, pelo curto intervalo de uma hora e meia.

Sempre loquaz, Bolsonaro exerceu diante dos inquisidores o direito constitucional concedido aos investigados que receiam se autoincriminar. Exceto pelo juramento de respeitar a Constituição e as leis, Dino também silenciou.

Numa cerimônia marcada pelo signo da normalidade, coube ao presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, alvo preferencial do bolsonarismo, saudar a chegada da nova toga.

Falando para um plenário apinhado, Barroso declarou que "a presença maciça" de "pessoas de todas as visões" ideológicas descerá ao verbete da enciclopédia como uma "vitória da democracia, da institucionalidade e da civilidade."

Na Suprema Corte, Dino integrará a Primeira Turma, o mesmo colegiado em que tem assento Alexandre de Moraes, algoz do bolsonarismo. Significa dizer que o indicado por Lula, suprema ironia, deve participar do julgamento que pode levar à prisão de Bolsonaro e das fardas que a Polícia Federal qualifica como cúmplices.

Dá-se de barato que Paulo Gonet, o procurador-geral escolhido por Lula e aprovado no Senado com o voto entusiasmado da bancada bolsonarista, denunciará o ex-presidente e os membros daquilo que Bolsonaro chamava de "minhas Forças Armadas".

Uma vez formulada a denúncia, Bolsonaro e os investigados graúdos que realizam com ele uma excursão pelos nove círculos do inferno de Dante serão convertidos em réus pelo Supremo. Nos bastidores, Dino sinaliza que não cogita declarar-se impedido de votar no julgamento.

Se um roteirista de novela fosse escalado para assinar o roteiro encenado em Brasília, recusaria a tarefa para não passar por autor de um capítulo improvável.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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