Eloquente sobre Gaza, Lula cala diante de 'genocídio' yanomami
Em janeiro de 2023, Lula foi rápido na turbina. Voou para Roraima apenas 20 dias depois de subir a rampa. Queria testemunhar o sofrimento dos yanomami. Pichou na parede das redes sociais sua indignação com o antecessor: "Mais que uma crise humanitária. O que vi foi um genocídio. Um crime premeditado contra os Yanomami, cometido por um governo insensível ao sofrimento do povo brasileiro."
Desde então, o slogan preferido de Lula —"O Brasil voltou"— deu a volta ao mundo. Demora, porém, a chegar à reserva de Roraima. Ali, segundo os dados oficiais, morreram mais indígenas no primeiro ano de Lula (363) do que no último ano de Bolsonaro (343). A indignação de Lula ainda não reapareceu em público depois que veio à luz a notícia sobre a alta de 6% na letalidade dos yanomami durante a sua gestão.
No domingo passado, Lula voltou a usar o vocábulo "genocídio". Dessa vez, referia-se à matança de palestinos. Foi além: "O que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino, não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus".
Foi a partir do extermínio de 6 milhões de judeus que o genocídio tornou-se um crime contra a humanidade. O repúdio de Lula à forma brutal como Netanyahu responde ao ataque terrorista do Hamas contra Israel é compartilhado por outros líderes mundiais. Mas propagou-se a percepção de que seria possível manifestá-lo sem relativizar o holocausto.
Os ruídos diplomáticos que se seguiram à manifestação de Lula abafaram, por assim dizer, o barulho produzido pelo silêncio do Planalto sobre o drama dos yanomami. Relator de uma ação que discute medidas governamentais de proteção aos povos indígenas, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, voltou a cobrar providências.
Em resposta, o governo entregou à Suprema Corte nesta semana um plano para apertar os parafusos frouxos do atendimento ao povo Yanomami. A peça foi incorporada aos autos do processo como uma espécie de admissão de inépcia.
Lula havia anunciado após a inspeção de janeiro de 2023 um plano emergencial. Previa a distribuição de alimentos e a assistência médica aos indígenas. De resto, o presidente tratou como questão de honra a expulsão dos garimpeiros que conspurcam o território yanomami. A despeito dos avanços, o aumento da mortalidade atesta o fiasco. As principais causas das mortes são a desnutrição e malária. O garimpo ilegal continua ativo.
O mutismo momentâneo do presidente contrasta com a loquacidade anterior. Há dez meses, Lula foi às redes sociais para se autoelogiar: "O Brasil voltou para cuidar de seus primeiros habitantes", escreveu. "Criou o Ministério dos Povos Indígenas, deflagrou ações emergenciais para interromper o genocídio dos yanomami, provocado pelo governo anterior." O cenário atual reclama um tipo de análise que Lula não parece disposto a fazer: a autoanálise.
O Brasil voltou para cuidar de seus primeiros habitantes. Criou o Ministério dos Povos Indígenas, deflagrou ações emergenciais para interromper o genocídio dos yanomami, provocado pelo governo anterior.
-- Lula (@LulaOficial) April 10, 2023
Na visita a Roraima, Lula foi acompanhado por um séquito ministros. Flávio Dino, então ministro da Justiça, anunciou: "O presidente Lula determinou que as leis sejam cumpridas em todo o país. E vamos fazer isso em relação aos sofrimentos criminosos impostos aos yanomami. Há fortes indícios de crime de genocídio, que será apurado pela Polícia Federal."
Sonia Guajajara, a titular da pasta dos Povos Indígenas, esbanjava uma justa revolta: "Precisamos responsabilizar a gestão anterior, por ter permitido que essa situação se agravasse ao ponto de a gente encontrar adultos com peso de criança e crianças em uma situação de pele e osso", declarou.
Pela lógica, o inquérito da PF, ainda inconcluso, teria que ser prorrogado para averiguar o que sucedeu no primeiro ano da gestão Lula. Dino, agora com a toga de ministro do Supremo a pesar-lhe sobre os ombros, talvez seja submetido ao desconforto de participar do julgamento da ação relatada pelo colega Barroso.
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