Moraes vê a anistia sugerida por Bolsonaro como flerte com Hitler
Embriagado de si mesmo, Bolsonaro discursou na Avenida Paulista num timbre de ex-Bolsonaro. Defendeu a "pacificação". Deseja "passar uma borracha no passado". Pediu que o Congresso aprove uma "anistia para os pobres coitados" condenados pelo 8 de janeiro. O ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes enxerga a bandeira branca içada por Bolsonaro como um flerte com o apaziguamento que deu asas ao regime nazista de Adolf Hitler.
Moraes expôs seu ponto de vista pela primeira vez no despacho em que determinou o afastamento de Ibaneis Rocha do governo do Distrito Federal por 90 dias, em 9 de janeiro de 2023, um dia depois do quebra-quebras nas sedes dos Três Poderes. Ele anotou: "A democracia brasileira não irá mais suportar a ignóbil politica de apaziguamento, cujo fracasso foi amplamente demonstrado na tentativa de acordo do então primeiro-ministro inglês Neville Chamberlain com Adolf Hitler".
A referência histórica escolhida pelo algoz de Bolsonaro no Supremo encostou a tentativa de golpe no Brasil na Conferência de Munique, um tratado firmado em 1938 pela Alemanha nazista com os líderes da Inglaterra e da Itália. Citado por Moraes, Chamberlain defendia a tese do "apaziguamento" com Hitler. No tratado de Munique, concordou em entregar parte da Tchecoslováquia aos alemães. No ano seguinte, Hitler tomou o resto.
Para reforçar sua posição, Moraes evocou o primeiro-ministro inglês Winston Churchill, que sucedeu Chamberlain e tornou-se um dos principais responsáveis pela vitória aliada contra o terror nazista na Segunda Guerra. Ao assegurar que "absolutamente todos serão responsabilizados civil, política e criminalmente pelos atos atentatórios à Democracia, ao Estado de Direito e às instituições", evocou uma das célebres frases de Churchill: "Um apaziguador é alguém que alimenta um crocodilo esperando ser o último a ser devorado".
Em 8 de janeiro de 2024, discursando na solenidade que marcou o aniversário de um ano da intentona bolsonarista, Moraes repetiu: "O fortalecimento da democracia não permite confundirmos paz e união com impunidade, apaziguamento ou esquecimento. Impunidade não representa paz ou união. Todos, absolutamente todos aqueles que pactuaram covardemente com a quebra da democracia e a tentativa de instalação de um Estado de exceção serão devidamente investigados, processados e responsabilizados nas medidas de suas culpabilidades."
O ministro voltou à carga dias depois. Ao ordenar a batida de busca e apreensão nos endereços do deputado bolsonarista Carlos Jordy, citou novamente o nome Hitler. E reiterou que "a democracia brasileira" não será submetida à "ignóbil política de apaziguamento" à moda de Chamberlain. Ou seja: se depender de Xandão, como o bolsonarismo costuma chamar o relator dos processos estrelados pelo capitão e seus cúmplices, o desejo de Bolsonaro de "passar uma borracha no passado" será tratado como uma tese natimorta.
Ao defender a "anistia", Bolsonaro não está interessado no perdão dos "pobres coitados" que invadiram as sedes do Congresso, do Supremo e do Planalto. Seu objetivo é a obtenção da sua própria impunidade. As segundas intenções do orador tornaram-se explícitas num trecho do discurso que despejou sobre os milhares de devotos que comparecem à Avenida para escutá-lo. A alturas tantas, Bolsonaro declarou:
"Nós não podemos concordar que um poder tire do palco político quem quer que seja, a não ser por um motivo justo, nós não podemos pensar em ganhar as eleições afastando os opositores do cenário político."
Sob a presidência de Moraes, o Tribunal Superior Eleitoral declarou Bolsonaro inelegível por oito anos. Confirmando-se a expectativa de que o Supremo o condene pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, de abolição do Estado Democrático de Direito e associação criminosa, Bolsonaro pode amargar uma pena de até 23 anos de cadeia. Nessa hipótese, seria banido das urnas por mais de 30 anos.
O castigo cairia sobre a biografia do mito como uma lápide. Daí o apreço momentâneo de Bolsonaro pela "pacificação" e o desejo incontido de manusear uma "borracha" capaz de apagar o passado criminoso.
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