Josias de Souza

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Gleisi presenteia rivais com sua louvação ao comunismo chinês

Gleisi Hoffmann colocou um pote de ouro em cima da mesa do bolsonarismo. Nele, estão os elogios da presidente do PT à ditadura da China. Gleisi comandou dias atrás uma visita de 28 deputados e dirigentes petistas a Pequim. A comitiva reuniu-se em seminário com expoentes do partido único que comanda o Estado chinês há 75 anos. Gleisi chamou o que viu de "democracia efetiva".

A presidente do PT disse coisas assim: "O Ocidente tem que parar de dar lição de democracia. O que eu vejo aqui, inclusive na organização do partido e da sociedade, é uma democracia e uma participação nos extratos mais baixos da sociedade aos mais altos no desenvolvimento do país. Quisera tivéssemos isso nos países em que o capitalismo é o coordenador da economia."

Reproduzidas pelo repórter Marcelo Ninio, corresponde do jornal O Globo na China, as loas de Gleisi incluíram uma evocação à letra da canção Sampa, de Caetamo Veloso: "Há muita desinformação e preconceito do Ocidente. 'Narciso acha feio o que não é espelho', como diz a música. Como não conhecem, não consideram todo o processo cultural como está sendo construído."

Nos quatro anos de sua Presidência ruinosa, Bolsonaro gastou baldes de saliva num esforço para infantilizar a política brasileira. Como nas antigas cantigas de ninar, entoadas para fazer criancinhas dormir incutindo-lhes o terror, o capitão injetou no imaginário nacional o medo de que um hipotético comunismo surgiria do nada para engolir os eleitores que têm medo de careta. Pesquisa Datafolha divulgada em julho de 2023 revelou o sucesso da estratégia.

Nada menos que 52% dos eleitores acreditam que o Brasil corre o risco de virar um país comunista. Entre os brasileiros que votaram em Bolsonaro na corrida presidencial de 2022 o percentual dos que se apavoram como o comunismo sobe para 73%.

"É o predomínio do capitalismo que gera um cenário internacional de instabilidade, crises, guerras e revoltas", disse a preposta de Lula no comando do petismo. "Nossos partidos, o PT e o PC Chinês, defendem que o socialismo é essa alternativa. Um de nossos maiores desafios é exatamente o de tornar o socialismo mais influente e mais poderoso em nossos países e também em escala mundial".

Cavalando a democracia, Lula elegeu-se pela terceira vez impulsionado por uma frente democrática que livrou o Brasil de uma autocracia bolsonarista de ultradireita. Equipa-se agora para a re-re-re-reeleição. Se Lula tiver saúde e desempenho, será candidato a um quarto mandato em 2026. Nesse contexto, o pior equívoco que pode cometer o PT é o de imaginar que a inelegibilidade de Bolsonaro asfixiou o bolsonairsmo.

Afora o fato de que o Brasil continua dividido, o Datafolha demonstrou, nas pegadas das maquinações golpistas que desaguaram no 8 de janeiro, que metade do eleitorado ainda se assombra com o fantasma errado. Acredita que a esquerda come criancinhas.

Pior: a curva descente de Lula e do governo nas pesquisas mais recentes indica há na outra metade eleitores propensos a se deixar seduzir pela tese segundo a qual a ultradireita arcaica pode ser um mal menor. Nesse contexto, as palvras de Gleisi representam um presente para os rivais.

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Uma coisa é a preservação das boas relações políticas e econômicas com o capitalismo estatal da China, maior parceira comercial do Brasil. Estados não têm amigos, têm interesses. Coisa bem diferente é enxergar modelo inspirador numa ditadura inquestionável.

Com suas palavras, Gleisi como que acomodou o partido de Lula, gostosamente, no papel de boi da cara preta dos brasileiros que enxergam o comunismo embaixo de suas camas. Nem os integrantes do antigo gabinete do ódio bolsonarista esboçariam palavras tão convenientemente tóxicas.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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