Josias de Souza

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Opinião

Delfim teve a vida marcada por dilema do tipo médico e monstro

Morto nesta segunda-feira aos 96 anos, Delfim Netto teve a existência marcada por um dilema do tipo médico e monstro. Com um acréscimo. Além do ponderado Doctor Jekyll e do desregrado Mister Hyde, Delfim trazia enterrado no corpanzil um alienígena de moral fluida. Nem bom, nem mau: acomodatício. Uma espécie de Mister Roldanas.

Delfim mandou como poucos sob a ditadura militar. Fez jus ao apelido de czar da economia. Num dos rompantes de monstro, colocou-se "plenamente de acordo" com a edição do AI-5. Enxergou no endurecimento do regime a perspectiva de legislar sobre econômica sem o inconveniente do contraditório.

No ápice, Delfim entregou crescimento anual médio de 11%. Mas produziu descontrole inflacionário, a despeito de maquiar as estatísticas. Imaginou-se que a eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral, em 1985, enviaria Delfim para o ostracismo. Tancredo morreu antes de assumir. E Delfim, médico de si mesmo, virou deputado constituinte.

No Congresso, Delfim passou a desfrutar da democracia que ajudara a asfixiar. Surgiu a terceira personalidade de Delfim. Como Mister Roldanas, livrou-se das certezas que o poder desmedido lhe proporcionara. Virou um cultor da tolerância.

Delfim transitava da direita à esquerda. Com o tempo, virou consultor de presidentes. Primeiro deu conselhos a Lula, a quem chamou de "gênio". Depois, compartilhou opiniões com Dilma, que acusou de "não saber escutar". Na sequência, Temer. Sob Bolsonaro, as roldanas de Delfim oscilaram entre o erro e o acerto.

Errou feio ao antever em 2018 que o capitão seria domado pelo generais que levaria para o Planalto. Deu-se o oposto. Os comandantes de escrivaninha bolsonarizaram-se. Em 2021, Delfim acertou no olho da mosca ao enxergar em sua bola de cristal a eleição do então ministro da Infraestrutura Tarcísio de Freitas.

Instado por Bolsonaro a disputar o Palácio dos Bandeirantes, Tarcísio pediu a um amigo que organizasse encontro com uma dezena de pessoas. Foi crivado de ceticismo. Entre todos, apenas Delfim recomendou ao carioca Tarcísio que tentasse a sorte das urnas em São Paulo. Nonagenário, Delfim não conservara o fato.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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