Ao privilegiar amigos, Lula perde nexo no debate sobre Orçamento
Numa República, todos são iguais aos olhos do Estado. Mas o rateio do Orçamento federal brasileiro segue a lógica de Pasárgada, onde a amizade vale mais do que a cidadania. Num instante em que Lula acusa o Congresso de "sequestrar" verbas do governo por meio de emendas opacas e impositivas, descobre-se que o Planalto também envia para meia dúzia de prefeituras as suas remessas Pix. Coisa de R$ 1,4 bilhão em um ano e meio.
Desde que Manuel Bandeira revelou o desejo de estar em Pasárgada, onde era amigo do Rei, o apreço do soberano nunca foi tão ansiado. A amizade real virou um refrão nacional de cunho pecuniário. Para alguns, ser amigo do Rei significa dar o passo mágico com o qual, no Brasil, os que estão fora passam para dentro do cofre do Tesouro. Foi o que ocorreu com os gestores petistas de quatro prefeituras paulistas —Araraquara, Mauá, Diadema e Hortolândia— e os aliados de um par de cidades fluminenses —Cabo Frio e Belford Roxo.
As seis cidades privilegiadas abrigam apenas 0,86% da população brasileira. Estão longe, muito longe dos piores índices de desenvolvimento do país. Enquanto municípios com indicadores sociais bem mais precários tropeçam na burocracia, os amigos do Rei têm acesso à garagem, sobem pelo elevador privativo e entram no gabinete presidencial sem bater, levados pela mão por Marcola, o chefe de Gabinete de Lula.
Ao beneficiar os amigos, Lula perde o nexo na guerra que trava com o Congresso para reaver parte dos R$ 50 bilhões distribuídos anualmente aos municípios por meio de emendas parlamentares. Numa República em que a Presidência é a Pasárgada de alguns, dependendo do desfecho da controvérsia orçamentária mediada pelo Supremo Tribunal Federal, quem assegurar o apreço do Rei pode até dispensar os outros atrativos da terra sonhada do poeta —ginástica, bicicleta, burro brabo, pau-de-sebo, banho de mar, beira de rio e amor desejado na cama escolhida... Tudo isso ficaria irrisório diante do acesso privilegiado à maçaneta do gabinete do Rei e, sobretudo, à chave do cofre.
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