Boulos-2024 transforma-se numa encenação precária de Lula-2002
Guiherme Boulos prometera para a manhã desta segunda-feira um pronunciamento jamais visto numa campanha eleitoral. Coisa com potencial para "mudar a eleição". A bomba revelou-se um traque. Boulos reeditou em 2024 uma versão municipal da "Carta aos Brasileiros", que pavimentou a vitória de Lula na sucessão presidencial de 2002. A diferença é que a "Carta ao Povo de São Paulo" chegou ao noticiário como uma peça tardia, artificial e improdutiva.
O amadurecimento de Lula foi um processo de duas décadas. Candidato ao governo de São Paulo em 1982, amargou um constrangedor quarto lugar. Esgrimia na época o discurso radical do líder sindical. Espantava o PIB.
A carta de 2002 veio nas pegadas de três derrotas em eleições presidenciais. Além da guinada em relação a tudo o que dissera sobre questões econômicas, Lula aparou a barba, vestiu Armani e acomodou na vice o empresário José Alencar. Chegou ao Planato como um ex-sapo barbudo.
A carta de Boulos é tardia porque chega às manchetes a seis dias da eleição. É artificial porque o antigo líder do movimento dos sem-teto formaliza na reta final uma moderação que deveria ter realçado desde a derrota que sofreu na eleição municipal de 2020.
Boulos diz agora, premido pelas circunstâncias, que o eleitor paulista não precisa ter medo da mudança, pois será um prefeito "de diálogo", sem "qualquer tipo de sectarismo."
A iniciativa é improdutiva porque a rejeição cavalar de Boulos e o favoritismo estelar de Ricardo Nunes dão ao texto uma aparência extemporânea e um aroma oportunista. Boulos reconhece com atraso uma obviedade: "A periferia mudou." Admite que a esquerda "deixou de falar" com brasileiros que ralam há anos à margem da CLT. Promete "reconhecer" o esforço e "oferecer oportunidades".
Mimetizando as antigas caravanas petistas, o candidato do PSOL anunciou que dormirá nas casas de eleitores até o dia da eleição. Reeditou até o antigo slogan de Lula. "A esperança pode, sim, vencer o medo", anotou.
O problema é que parte dos 70% de votos que rejeitaram a continuidade de Nunes no primeiro turno optam agora pela reeleição do prefeito não por aprovar a administração dele, mas por considerá-lo um mal menor. Nesse contexto, conversões de última hora, ainda que sinceras, tendem a ser recebidas com um mal maior.
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