Trump precisou de três meses para provar que inferno existe
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O segundo mandato de Trump faz aniversário de três meses neste domingo. Em apenas 90 dias, ele converteu os Estados Unidos numa monarquia trumpista. Nela, reina a estupidez. O primeiro reinado foi apenas um ensaio. Bem treinado, Trump 2º atingiu rapidamente o ápice da inépcia. Nenhum outro líder faz o mal tão bem em todo o mundo. Há sinais de resistência doméstica. Mas eles ainda são tímidos.
No sábado, a Suprema Corte suspendeu a deportação de venezuelanos presos no Texas. Fez isso, cinco dias depois de a Casa Branca ter ignorado decisão do tribunal para repatriar um homem deportado ilegalmente para El Salvador. Sob Trump, ordens judiciais valem até certo ponto. O ponto de interrogação.
Em plena Páscoa, o movimento "Hands Off" voltou a roncar. Milhares de pessoas foram às ruas em grandes cidades e nos fundões da América. Mas o coro exigindo que o autocrata laranja tire suas mãos dos valores democráticos e dos bolsos do cidadão americano havia soado mais alto há duas semanas.
A barricada erguida por Harvard nos últimos dias interrompeu a passividade esfuziante que envergonhava a liga americana de oito estelares universidades privadas. O país ainda convive, porém, com o risco da fuga de cérebros. Pesquisa feita pela revista Nature com 1.600 cientistas americanos em atividade acadêmica revela que 75% cogitam escapar do obscurantismo trumpista.
Trump não dispõe de um plano de ação. Tem apenas um slogan: Make America Great Again. A América cresce rumo às profundezas. O segundo reinado mal começou e o país já está muito abaixo da estaca zero. Trump desgoverna o país em zigue-zague. Decide uma coisa de manhã e o oposto à tarde. Resolve a crise anterior criando uma nova crise. O único empreendimento que cresce no país e a indústria da incerteza.
Muita gente evita dizer, talvez por pena, mas os Estados Unidos vivem o pior tipo de autocracia: o autoritarismo consentido. Durante a campanha, quando um tiro triscou em sua orelha, Trump disse: "Deus poupou minha vida por um motivo. Esse motivo foi salvar nosso país." No discurso da vitória, sinalizou o que estava por vir: "Os Estados Unidos nos deram um mandato poderoso e sem precedentes. Vou governar com um lema simples: promessas feitas, promessas mantidas."
Cumprindo o que havia prometido, Trump proporciona aos Estados Unidos um estilo autoritário de governo jamais visto nos quase 250 anos de história do país. Entrega uma rotina infernal em nome de Deus. Culpar a imprevidência divina seria mais cômodo. Mas o Todo-Poderoso é inocente.
Trump não virou autocrata pela força. Foi com a permissão do eleitorado que se tornou o único presidente da história americana condenado por dezenas de crimes e acusado de dezenas de outros. A maioria do eleitorado exerceu com a máxima plenitude o direito de construir o seu próprio caminho para o inferno.
Especulava-se há tanto tempo sobre a decadência da democracia nos Estados Unidos que os americanos acreditaram que o abismo, a exemplo do inferno da escatologia cristã, era mais uma ficção admonitória do que a realidade de uma crise terminal. Trump tornou a ficção real.
Sumiu a ideia de que a maior potência econômica e militar do mundo está à beira do abismo. Os Estados Unidos experimentam a vivência do abismo. Trump se autoimpôs a missão revolucionária de provar que o inferno existe, e não funciona. Sem anteparos domésticos à sua altura, o Diabo submeterá o mundo a uma convivência compulsória de pelo menos mais três anos e sete meses.
11 comentários
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Alcides da Silva Alcantara
Análise perfeita, Josias. Mas acho que nessa marcha o milharal ambulante não terminará o mandato.
Julio Antonio Beltrami da Silva
Excelente análise.
Lidia Guimaraes
JOSIAS, ESSE LUGAR TE ESPERA