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Josmar Jozino

REPORTAGEM

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Acusado de ser "laranja" do PCC condenado a 31 anos não ficou um dia preso

Imagem de documento de Charles de Araújo que consta em relatório do Denarc - Reprodução
Imagem de documento de Charles de Araújo que consta em relatório do Denarc Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

04/05/2021 04h00

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Acusado de armazenar 620 kg de cocaína e ao menos 30 armas para o PCC (Primeiro Comando da Capital), em 2013, Charles dos Reis Araújo, 45, o Shaolin, jamais ficou um dia preso, mesmo tendo sido condenado a 31 anos por associação a organização criminosa e tráfico de drogas.

No portal do BNMP (Banco Nacional de Monitoramento de Prisões), vinculado ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça), constam dois mandados de prisão pendentes de cumprimento contra Charles, um com data de 15 de maio de 2014, e outro de 1º de dezembro de 2016.

Segundo pesquisa feita pela SAP (Secretaria Estadual da Administração Penitenciária), Charles nunca ficou recolhido em unidade prisional subordinada à Pasta. Há rumores de que ele possa ter sido vítima do "tribunal do crime" do PCC. Porém, não há confirmação oficial a esse respeito.

Investigações paralelas feitas pela Polícia Federal e Polícia Militar apontaram que Charles tinha ao menos duas propriedades onde armazenava drogas e armamentos para o PCC, em bunkers construídos com plataforma hidráulica e elevador e acionados por dispositivo.

Uma das propriedades de Charles era um galpão na avenida Álvaro Ramos, na Mooca, zona leste da capital. No local, PMs da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) disseram ter encontrado, em 13 de março de 2013, após denúncia anônima, 145 kg de cocaína escondidos em um bunker.

No dia seguinte, outra equipe da Rota seguiu para mais uma propriedade de Charles. Era no Sítio Sarandi na altura do km 71,5 da rodovia Régis Bittencourt, em Juquitiba, na Grande São Paulo, Dessa vez, os PMs encontraram 475 kg de cocaína e 30 armas, incluindo sete fuzis e três metralhadoras.

Agentes federais também monitoravam o Sítio Sarandi e descobriram que o local era frequentado por Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho, um dos maiores narcotraficantes do Brasil, apontado como o braço direito de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, considerado líder máximo do PCC.

Os federais já vinham acompanhando os passos de Fuminho praticamente um mês antes da invasão da Rota ao Sítio Sarandi. Em fevereiro de 2013, os agentes seguiram Fuminho e um homem — identificado pela PF como Antônio Faria Costa —, desde a favela Heliópolis, na zona Sul, até Juquitiba.

Segundo a PF, do Sítio Sarandi, a dupla seguiu para um posto de combustíveis em Capivari, onde se encontrou com os irmãos Vanderlei José Ramos e Dirnei José Ramos e também com Ailton José de Oliveira, motorista de caminhão.

De acordo com os agentes, Fuminho passou a chave de um caminhão-tanque carregado com drogas para Ailton, que passou a conduzir o veículo no sentido a Piracicaba, até chegar em outro sítio na cidade de Anhembi.

Soltos pelo STF

O plano da Polícia Federal era prender todos os alvos dias depois em flagrante por tráfico de drogas, em Juquitiba e na região de Piracicaba. No relatório da PF, consta que a operação fracassou porque a Rota acabou invadindo o Sítio Sarandi.

Fuminho conseguiu escapar e foi preso somente em abril de 2020, em Moçambique, na África. A Polícia Federal e a Polícia Civil de São Paulo concluíram que Charles era um "laranja" dele e havia investido R$ 1,6 milhão em propriedades para esconder drogas e armas para o PCC.

Vanderlei Ramos foi preso e condenado a 25 anos e nove meses no processo sobre a apreensão de drogas e armas em Juquitiba. Antônio Faria também foi capturado e recebeu uma pena de 24 anos e dois meses.

Ambos acabaram soltos no primeiro trimestre do ano passado, graças a habeas corpus concedido pelo ministro Marco Aurélio Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal).

Antônio Faria foi libertado em fevereiro de 2020 e Vanderlei no mês seguinte. O ministro alegou excesso de prazo na custódia deles. O habeas corpus foi estendido para Dirnei e Ailton, condenados a 21 anos e nove meses. Mas eles continuam presos porque foram condenados em outro processo por tráfico de drogas em Piracicaba.

Charles não foi beneficiado pelo habeas corpus porque não ficou sequer um dia preso, apesar de condenado — à revelia — a 10 anos pela cocaína encontrada no galpão da Mooca e a 21 anos pelo armazenamento das drogas e armas no Sítio Sarandi. O UOL não conseguiu contato com o advogado dele nem com os defensores dos demais acusados.

O processo contra Fuminho, acusado de ser o dono da droga e das armas apreendidas no Sítio Sarandi, foi desmembrado em relação aos outros réus e tramita na 2ª Vara Criminal de Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo. Ele está preso na Penitenciária Federal de Catanduvas (PR).