Topo

Josmar Jozino

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Retaliação mais sangrenta da história do país continua impune após 15 anos

Boné de PM após ataque do PCC a um posto policial na zona leste de São Paulo, em maio de 2006 - Nilton Fukuda/Folhapress
Boné de PM após ataque do PCC a um posto policial na zona leste de São Paulo, em maio de 2006 Imagem: Nilton Fukuda/Folhapress

Colunista do UOL

13/05/2021 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Eram 22h30 do dia 14 de maio de 2006. Edivaldo Barbosa de Andrade, Fábio de Lima Andrade, Israel Alves de Souza, Eduardo Barbosa de Andrade e Fernando Elza conversavam tranquilamente na calçada de uma casa na rua Jorge de Morais, no Parque Bristol, zona sul de São Paulo.

Um Vectra verde chegou e parou subitamente em frente ao grupo de rapazes. Três encapuzados desceram, sacaram armas automáticas e atiraram contra as vítimas. Três morreram na hora. Minutos depois, uma viatura da Polícia Militar passou no local e recolheu os projéteis espalhados pelo chão.

Praticamente no mesmo horário, mas do outro lado da cidade, na zona norte de São Paulo, desconhecidos também usando capuz bateram na porta da residência de Maria Aparecida Floriano da Silva, 63. Ela estava com o filho Eduardo Floriano da Silva, 23.

A dona da casa abriu a porta. Ela foi obrigada a ficar de joelhos. Os encapuzados atiraram na cabeça dela e em seguida mataram Eduardo. Maria era a mãe, e o rapaz, o irmão, do presidiário Marcelo Vieira, o Capetinha, acusado de ter ordenado ataques a bases da Polícia Militar na zona norte. Ambos foram mortos pelo grau de parentesco com o prisioneiro.

A Chacina do Parque Bristol e o duplo homicídio de mãe e filho ficaram conhecidos como os "Crimes de Maio de 2006". Entre os dias 12 e 20 daquele mês e ano, 505 civis foram mortos por grupos de extermínio em represália aos ataques do PCC (Primeiro Comando da Capital) às forças de segurança.

O PCC matou 59 agentes públicos, metralhou delegacias e postos policiais, queimou ônibus, decretou toque de recolher nos bairros e se rebelou em 74 presídios, em protesto contra o isolamento de 765 integrantes da facção na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau (SP), na véspera do Dia das Mães.

O MPE (Ministério Público do Estado de São Paulo) definiu a matança como a "retaliação mais sangrenta do período democrático brasileiro" e entrou com ação contra a Fazenda Pública, pedindo indenização de R$ 174 milhões às famílias dos 505 civis mortos e dos 59 agentes assassinados.

Segundo o MPE, em retaliação aos ataques do PCC "parte das forças de segurança estatal impôs, por conta própria, métodos não ortodoxos de revide, culminando com mais de 500 baixas de civis, isso tudo sob a complacência do Estado, que não adotou qualquer medida efetiva".

A Justiça indeferiu o pedido de indenização feito pelo MPE, argumentando que os "fatos aconteceram em maio de 2006 e a propositura da ação ocorreu em dezembro de 2018, e portanto, está configurada a prescrição". O Ministério Público vem recorrendo da decisão.

Conforme noticiou na quarta-feira (12) o portal de notícias Metrópoles, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo denunciou pela terceira vez o Brasil à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão vinculado à OEA (Organização dos Estados Americanos), pelos "Crimes de Maio de 2006".

Tiros na cabeça

Documentos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República mostram que 96% dos civis mortos eram homens; 80% tinham até 35 anos e mais da metade eram negros e pardos. Apenas 6% das vítimas tinham antecedentes criminais.

A documentação aponta ainda que 60% das vítimas morreram com disparos na cabeça. Entre os 505 civis assassinados, 50% levaram mais de três tiros. A Polícia Civil registrou 124 casos como "resistência seguida de morte", quando há suposto confronto.

Passados 15 anos, os "Crimes de Maio de 2006" continuam impunes. Em vários casos, como o da chacina do Parque Bristol, por exemplo, o DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), da Polícia Civil, concluiu pela "ausência de elementos suficientes de autoria".

Para o MPE e a Defensoria Pública de São Paulo, "o Estado falhou em conduzir uma investigação imparcial e também em adotar medidas para concretizar a legislação, mantendo e reforçando um contexto de impunidade e violência".

Integrantes do PCC —especialmente Marco Willians Herbas Camacho, 53, o Marcola, tido como líder máximo da organização criminosa— foram julgados e condenados como mandantes ou autores dos assassinatos de alguns dos 59 agentes públicos.