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Josmar Jozino

REPORTAGEM

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Sombra, o primeiro batizado no PCC, era agressivo e cruel desde a infância

Idemir Carlos Ambrósio, o Sombra, o primeiro presidiário batizado no PCC - Reprodução
Idemir Carlos Ambrósio, o Sombra, o primeiro presidiário batizado no PCC Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

27/04/2022 04h00

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Quando tinha 10 anos, Idemir Carlos Ambrósio, o Sombra, o primeiro presidiário batizado no PCC (Primeiro Comando da Capital), colocou uma jararaca-do-campo e uma cascavel em uma lata de óleo de 18 litros para brigar e saber qual cobra sairia vencedora.

Esse instinto de maldade ele carregava desde a infância na humilde casa onde morava com a família, em São Carlos, no interior paulista.

A violência imposta pelo pai com as constantes surras e castigos em represália às peraltices do filho também ajudou a aumentar a agressividade do menino.

Certa vez, Sombra deixou uma brasa do fogão à lenha cair no chão. O pai dele, João Gumercindo Ambrósio, obrigou o filho a apagar o fogo pisando descalço na fagulha. Os sete irmãos ficaram revoltados. A mais velha saiu de casa.

Em outra ocasião, o pequeno Sombra viu uma cobra enrolada no mato. Ele pegou uma pedra e de longe atirou, acertando a cabeça do réptil. O pai soube da traquinagem. Por conta dessa e de outras travessuras, João amarrou o filho em uma laranjeira, sob sol quente, e apenas o soltou na manhã seguinte.

A excelente pontaria despertou em Sombra o interesse por armas já na adolescência. Ele trabalhava como garçom em São Carlos e adquiriu um revólver "três oitão". Nas folgas, passou a treinar tiros no quintal de casa. Mirava os pregadores colocados no varal e acertava todos os alvos.

Não demorou muito tempo e Sombra deixou o trabalho para entrar definitivamente no crime. Tornou-se rapidamente especialista em roubos a bancos. Ele aterrorizou a população de Sorocaba, Ribeirão Preto, Leme, Piracicaba e Araras.

Os ladrões sentiam-se seguros roubando ao lado dele. A quadrilha também atuava na capital. Em agosto de 1989, o bando tentou assaltar o Banco América do Sul, na rua Senador Feijó. Um assaltante ficou ferido e o vigia morreu na ação. Os criminosos fugiram sem levar nada.

Mas dois meses depois, Sombra e os comparsas limparam o cofre e os caixas do Banco Nacional, também no centro da cidade. Líder da quadrilha, ele chegou a ser preso algumas vezes e conseguiu fugir, corrompendo agentes. A crueldade com as vítimas nos roubos e com os rivais nas ruas era uma de suas características.

Liderança na prisão

No Capão Redondo, na zona sul paulistana, Sombra encontrou um desafeto em um bar. O inimigo bebia cerveja encostado em uma Brastemp. O atirador bom de pontaria sacou e descarregou a arma. Alvejado, o rival escorregou devagar, agonizando e deixando um rastro fatal de sangue na geladeira.

Em 1990, "a casa caiu" de vez para Sombra. Ele foi preso por policiais da Delegacia de Roubo a Bancos do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais), em Cidade Ademar, zona sul, e não teve acerto com os "tiras". O prisioneiro passou por várias cadeias e para onde ia levava o travesseiro recheado de maconha.

Em 19 de fevereiro de 1993, o preso, acusado de cometer falta grave na Penitenciária 1 de Avaré, foi transferido para o castigo na Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, no Vale do Paraíba, chamada pelos prisioneiros de "caverna" e "campo de concentração" por conta dos maus-tratos.

Durante um banho de sol, Sombra conheceu César Augusto Roriz Silva, o Cesinha. Ambos ficaram amigos e conversaram muito sobre o massacre de 111 presos ocorrido em 2 de outubro de 1992 na Casa de Detenção, no Carandiru, zona norte de São Paulo.

Cesinha vibrou ao ouvir do amigo que um policial militar havia sido morto e que ao lado do cadáver tinha uma faixa dizendo: "Agora só faltam 110"! Em Taubaté, Sombra foi um dos presos que mais criticou e protestou contra o chamado "Massacre do Carandiru".

Sob o pretexto de lutar para evitar uma nova carnificina nas prisões, Sombra pregou em Taubaté a união dos detentos e foi um dos principais idealizadores da criação de uma espécie de "sindicato do crime" para lutar contra as injustiças e a opressão no sistema prisional.

Assim foi criado em 31 de agosto de 1993, na Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, o PCC (Primeiro Comando da Capital). Cesinha foi um dos oito fundadores e também o padrinho de Sombra, o primeiro preso a ser batizado na facção criminosa.

Poder, respeito e reverência

Depois da fundação do PCC, Sombra passou por vários presídios e em todos foi reverenciado e respeitado pelos prisioneiros por causa do "currículo" no mundo do crime e, principalmente, por ser o primeiro batizado na organização criminosa.

Uma prova dessa liderança foi demonstrada em 1996 na Penitenciária José Parada Neto, em Guarulhos, na Grande São Paulo, até então dominada por integrantes do PCC.

Funcionários que trabalharam na unidade contam que Sombra impunha tanto respeito à massa carcerária que nas manhãs ensolaradas, sempre usando um short vermelho, caminhava em direção à quadra de futebol, carregando em uma das mãos uma moeda e na outra um lençol.

Ele batia apenas uma vez a moeda em uma das traves. Os presos que jogavam bola entendiam o "recado" e saíam rapidamente do local. Sombra estendia o pano sobre o cimento e se deitava para tomar seu tradicional banho de sol. Não muito longe, os fiéis comparsas garantiam a segurança do chefe.

Nas mãos do "Capeta"

Essa liderança durou até o dia 27 de julho de 2001. Sombra estava de volta à Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté. Foi mandado de volta ao castigo sob a acusação de ter ordenado a primeira e grande megarrebelião de fevereiro de 2001 no sistema prisional paulista.

No banho de sol, na quadra do pátio de Taubaté, um grupo de presos liderados por Vinícius Brasil Nascimento, o "Capeta", atacou Sombra. Ele foi enforcado com um cadarço de sapato. Teve também afundamento de crânio devido a pancadas na cabeça contra o chão e uma parede.

O PCC decretou luto de sete dias no sistema prisional. O corpo de Sombra foi enterrado em 28 de julho de 2001 no Cemitério de Vila Alpina, zona leste. No velório, uma bandeira e coroas de flores foram colocadas ao lado do caixão com as siglas do Primeiro Comando da Capital.

Um líder do PCC contou que Sombra foi assassinado porque mandou matar sem ordem dos fundadores da facção um traficante de drogas conhecido como "Macarrão", dono de bocas de fumo no bairro do Capão Redondo.

Condenado a 120 anos por roubos, homicídios e formação de quadrilha, Sombra foi assassinado cruelmente do mesmo jeito que mandou matar vários rivais nas prisões e nas ruas de São Paulo. Aos 41 anos, o primeiro preso batizado no PCC morreu literalmente nas mãos do "Capeta".

As disputas por poder e dinheiro dentro da principal organização criminosa do Brasil são narradas na segunda temporada do documentário do "PCC - Primeiro Cartel da Capital", produzido por MOV, a produtora de documentários do UOL, e o núcleo investigativo do UOL.