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Repórter baleado pelo 'novo cangaço' vira diretor de prisão em Mossoró (RN)
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A vida de Márcio do Carmo de Morais, 44, mudou radicalmente a partir de 27 de março de 1999. Ele tinha 21 anos e trabalhava no jornal Gazeta do Oeste, em Mossoró, Rio Grande do Norte, quando foi baleado por assaltantes de banco por causa de uma reportagem.
Os atiradores —criminosos de alta periculosidade— eram da quadrilha de Valdetário Carneiro, tido como o precursor do "novo cangaço" no Nordeste. Márcio estava em casa, em Apodi, cidade vizinha a Mossoró, com a família e segurava no colo a filha de 4 anos, do primeiro casamento. Uma das balas atingiu o quadril dele.
O disparo deixou sequelas nos fêmures. Márcio só voltou a andar normalmente após passar por duas cirurgias, uma delas no Hospital Santa Marcelina, em Itaquera, zona leste paulistana, e outra em Fortaleza (CE). No período das cirurgias, ele ficou um ano em cadeira de rodas.
Abalado psicologicamente e com medo de sofrer outro atentado, Márcio decidiu deixar o jornalismo, pelo menos temporariamente. Mas para sustentar a família precisava ter outra profissão. Em 2010, ele resolveu prestar concurso para agente penitenciário. E foi aprovado.
O servidor passou pela Cadeia Pública de Caraúbas, localizada no médio-oeste do Rio Grande do Norte. Em 2013 já era diretor do CDP (Cento de Detenção Provisória) de Apodi, unidade que ele ajudou a construir com o auxílio da mão de obra da massa carcerária.
Desde 2019, Márcio é diretor do Complexo Penal Estadual Agrícola Mário Negócio, em Mossoró. O presídio é vizinho à Penitenciária Federal de Mossoró, onde estão recolhidos líderes de facções criminosas, principalmente do PCC (Primeiro Comando da Capital).
Adotou filha de latrocida
Márcio afirma que não escolheu a nova profissão para se vingar de criminosos, como aqueles que o balearam. O diretor não se considera benevolente com os presos, mas diz tratar todos eles com dignidade, como ser humano.
E acrescenta que se sente realizado e recompensado com seu trabalho porque ajudou a ressocializar muitos prisioneiros. Um deles foi condenado por tráfico de drogas. O diretor o incentivou a estudar na prisão. O egresso concluiu o curso de negócios imobiliários.
Outro preso, condenado por estupro e que cumpriu pena no CDP de Apodi, também voltou a conviver em sociedade, graças à ajuda do diretor, e hoje dirige o próprio negócio. Na prisão, o detento participou do programa "Varrendo a violência empregando a paz", desenvolvido por Márcio.
A meta do programa era, simultaneamente, ajudar a recuperar o interno e preservar o meio ambiente, produzindo —em parceria com escolas— vassouras com garrafas PET doadas pela comunidade. O então condenado por estupro hoje tem uma fábrica no quintal de casa e garante o próprio sustento.
A prova de que não guardou ressentimentos por ter sido baleado por criminosos foi demonstrada seis anos atrás, quando ele e a mulher adotaram uma criança, filha de marceneiro suspeito de latrocínio (roubo seguido de morte), praticado em 26 de março de 2014 em Rodolfo Fernandes (RN).
O marceneiro foi assassinado em um bingo em julho de 2015. A mulher dele era mãe de dois filhos e estava grávida. Como não tinha condições de criar o bebê, ela decidiu doá-lo. A mulher de Márcio, do segundo casamento, não conseguia engravidar e havia enfrentado sete abortos espontâneos.
Ela trabalhava em um hospital e lá conheceu a mulher do marceneiro. Nasceu uma menina e ela foi adotada pelo casal. A criança hoje tem seis anos. A mulher do diretor de presídio fez tratamento e conseguiu engravidar. Márcio é pai de quatro meninas.
Livros escritos
Até hoje apaixonado pela profissão de repórter, Márcio ingressou na carreira em 1995, no jornal O Mossoroense. Depois trabalhou na Gazeta do Oeste e no jornal De Fato. Ele está cursando comunicação social com habilitação em jornalismo na UERN (Universidade Estadual do Rio Grande do Norte).
Mesmo afastado da reportagem, o diretor de presídio jamais deixou de escrever. Ele é autor de dois livros: "Por Trás das Grades", Volume 1 (2017) e Volume 2 (2019), ambos publicados pela 8 Editora.
As obras descrevem o dia a dia na prisão, relatam as dificuldades dos prisioneiros e o arriscado e difícil trabalho dos agentes penitenciários. Mostram ainda a solidão na cadeia, a dedicação dos familiares com os presidiários e como é a vida por trás das grades.
Segundo Márcio, a primeira obra literária vendeu 2.000 exemplares, e a segunda, 1.500. O diretor penitenciário está concluindo o terceiro livro. É a história de um assaltante de bancos que cometeu ao menos 50 roubos. O ladrão é integrante da mesma quadrilha que o baleou em 1999.
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