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Josmar Jozino

REPORTAGEM

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PCC aterroriza parentes de vítimas assassinadas pelo 'tribunal do crime'

Corpo de "Django" foi encontrado na zona leste de São Paulo; ele foi morto em uma guerra interna do PCC - 23.jan.2022 - Divulgação/Polícia Civil
Corpo de 'Django' foi encontrado na zona leste de São Paulo; ele foi morto em uma guerra interna do PCC Imagem: 23.jan.2022 - Divulgação/Polícia Civil

Colunista do UOL

29/08/2022 04h00

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A dor e o sofrimento causados com a perda de familiares mortos pelo "tribunal do crime" do PCC (Primeiro Comando da Capital) não são os únicos sentimentos de quem teve um ente querido brutalmente assassinado a mando da maior e mais perigosa facção criminosa do país.

O medo também ronda a vida dos parentes das vítimas intimados a prestar declarações em inquéritos policiais. Quem não mostrar uma cópia do depoimento aos chefes regionais do PCC corre o risco de ser decretado à morte pelos integrantes da organização.

Às vésperas de completar 29 anos de existência, o PCC, fundado em 31 de agosto de 1993 na Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté (SP), passou a exigir recentemente cópia desses depoimentos para ter plena certeza de que seus algozes do "tribunal do crime" não foram delatados por testemunhas.

A facção criminosa adotou essas medidas principalmente nas zonas leste e sul da cidade, onde dezenas de corpos foram encontrados nos últimos meses em porta-malas de veículos ou desovados em locais ermos, enrolados a cobertor e com pés e mãos amarrados a um torniquete.

Constrangidos e pressionados pelo PCC, parentes de vítimas mortas imploram aos policiais responsáveis pelas investigações dos assassinatos, durante as oitivas, para ter acesso à cópia do próprio depoimento. O documento tem de ser mostrado aos chefes locais do "tribunal do crime".

A polícia sabe que muitas vítimas foram levadas para a Favela de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, onde acabaram julgadas e condenadas à morte. Alguns corpos foram desovados nas zonas leste e sul da capital e outros na região metropolitana, como Embu das Artes e Carapicuíba.

Geralmente, quando a vítima "do tribunal do crime" goza de algum conceito entre a cúpula do PCC, ela não é morta a tiros —para não ficar desfigurada—, mas enforcada. Assim foi o assassinato de Cláudio Marcos de Almeida, 50, o Django. Ele gozava de prestígio entre os chefes da organização criminosa.

O corpo de Django foi encontrado no dia 23 de janeiro deste ano sob o viaduto da Vila Matilde, na zona leste paulistana. O cadáver não tinha marcas de tiro e apresentava ferimentos no pescoço. Ele foi morto em uma guerra interna do PCC.

Porém, o modo como Django morreu —enforcado- não é uma regra do PCC válida para matar os rivais que até então tinham prestígio na facção criminosa. Algumas vítimas do "tribunal do crime" que também eram respeitadas pela organização foram inclusive decapitadas.

Sem rastros

O PCC também adotou outra tática para dificultar a identificação dos algozes. Os assassinos dos rivais da facção estão usando luvas de plástico para não deixar impressões digitais nas cenas dos crimes. Peritos enfrentam dificuldades para colher provas materiais.

Em muitos carros usados para transportar e desovar corpos de vítimas não havia sinais de digitais. O mesmo aconteceu com os cobertores usados para enrolar os cadáveres. Os veículos e demais materiais foram cuidadosamente periciados. Os matadores tomaram toda a cautela necessária para não deixar rastros.

Nos locais de desova, geralmente onde não há câmeras de segurança, foram apreendidas luvas cirúrgicas, semelhantes às usadas pelos próprios peritos do Instituto de Criminalística. A elucidação dos casos e identificação dos autores dos assassinatos tornaram-se agora mais difíceis.

Segundo a polícia, até pouco tempo atrás, o "tribunal do crime" do PCC não tinha essas preocupações e nada exigia dos parentes das vítimas assassinadas. Os inimigos eram mortos e deixados no mesmo local onde ocorreram os "julgamentos", até mesmo para servir de exemplo a outros possíveis desafetos.