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Em carta à Justiça, preso relata que tortura na prisão o tornou criminoso
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Em uma correspondência de 16 páginas endereçada ao TJ-SP (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo), o preso Paulo César Souza Nascimento Júnior, de 49 anos, o Paulinho Neblina, relata que se tornou um criminoso após ser brutalmente torturado no cárcere paulista pelos policiais que o prenderam.
Condenado a 145 anos e apontado pelo MP-SP (Ministério Público do Estado de São Paulo) como integrante da cúpula do PCC (Primeiro Comando da Capital), Neblina diz na carta que foi preso pela primeira vez quando tinha 18 anos.
O presidiário narra de forma dramática que os policiais o espancaram, introduziram fios elétricos nos órgãos genitais, boca, nariz, orelhas, nos dedos dos pés e das mãos dele. Conta ainda que os policiais se revezavam durante horas nas madrugadas para torturá-lo.
Na segunda página, Neblina detalha que sofreu 21 dias com as torturas, ficou aflito, desesperado e sentiu fortes dores por ter permanecido pendurado de cabeça para baixo, com pés e mãos amarrados num pau-de-arara e o corpo encharcado de água para potencializar os choques aplicados nele.
Neblina conta ainda que aos 18 anos era praticamente um menino, um "moleque", e que as sessões de tortura foram o princípio de sua transformação. Afirma que depois disso passou a sentir pela primeira vez ódio, raiva, frustração, vergonha e desejo de vingança.
Segundo Neblina, após ser torturado ele foi removido para uma prisão e colocado em uma cela onde cabiam 10 presos, mas havia 30 detentos. Ele diz que, além da superlotação, não tinha banheiro no xadrez e apenas um buraco (boi); a comida servida era insuportável e não existiam remédios para os doentes.
O prisioneiro relata também que por causa da cela superlotada, tudo na cadeia era motivo de confusão, brigas, facadas e violência sexual. Ele diz que o Estado não lhe deu segurança nem proteção e por isso teve que defender a vida e a dignidade sozinho.
Ressalta que, se não tomasse uma atitude, seria violentado e morto. Escreve na carta que sofreu atentado na prisão, foi esfaqueado na cabeça, ombro e perna, mas que conseguiu se defender e escapar com vida. Se queixa que os policiais o deixaram sangrar no corredor e queriam que ele morresse.
Oportunidade na vida
Em outro trecho, Neblina admite que foi preso por ter errado, mas faz um desabafo contra os torturadores e o sistema prisional: "Eu era um moleque. Errei, mas quem realmente me tornou um verdadeiro criminoso foram aqueles policiais que me prenderam e o cárcere, que piorou minha situação".
A carta aberta para pedido de liberdade foi escrita por Neblina em 16 de abril de 2022, em uma cela na Penitenciária Federal de Brasília, onde estão recolhidos líderes do PCC. Ele foi transferido da Penitenciária 2 de Presidente Venceslau (SP) para o SPF (Sistema Penitenciário Federal) em 14 de setembro de 2018.
Em outro parágrafo, o presidiário lembra que está preso ininterruptamente há 27 anos, informa que se encontra muito debilitado, com problemas de saúde e doença degenerativa, abalado psicologicamente e lamenta não poder abraçar a mãe idosa, os filhos e os netos na prisão nos dias de visita.
Neblina encerra a carta pedindo à Justiça, "por tudo que seja mais sagrado", para que unifique a pena dele, tendo como data base o ano de 1991 e término em 2025. Pede também "uma oportunidade na vida" e que o TJ "não desconsidere o sofrimento dele e de sua família, que dura décadas".
De acordo com a defesa de Neblina, o preso tentou cometer suicídio e a médica que o atendeu no presídio prescreveu remédios psiquiátricos. Em 18 de novembro de 2022, a defesa pediu à Penitenciária Federal de Brasília cópia do prontuário médico dele, onde deve constar procedimentos e medicações prescritas, e aguarda uma resposta da unidade prisional. A defesa informou que Neblina foi transferido para a Penitenciária Federal de Campo Grande (MS).
Para o MP-SP, Neblina é de altíssima periculosidade. Ele foi condenado a 68 anos, três meses e 20 dias por crimes comuns e mais 76 anos e 11 meses por crimes hediondos, incluindo sequestros violentos, totalizando a pena de 145 anos, dois meses e 20 dias.
Pelos cálculos do MP-SP e da SAP (Secretaria Estadual da Administração Penitenciária), a pena do preso termina em 10 de maio de 2045, "já incluindo a unificação, como prevê o artigo 75 do Código Penal". Na avaliação das autoridades, Neblina tem de ficar em presídio federal, pois "se retornar ao estado de São Paulo irá rearticular as ações do PCC de dentro da prisão".
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