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Juliana Dal Piva

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Análise: Moro, Deltan e um combate light à corrupção

 Sergio Moro e Deltan Dallagnol - AG. SENADO/AG. BRASIL
Sergio Moro e Deltan Dallagnol Imagem: AG. SENADO/AG. BRASIL

Colunista do UOL

05/10/2022 04h00

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Sergio Moro, ex-juiz e agora senador eleito do Paraná (União Brasil), e Deltan Dallagnol, ex-procurador da República e deputado eleito pelo Podemos também do Paraná, declararam na terça-feira (4) apoio à reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ). Mas em quem os brasileiros devem acreditar quando a preocupação é a pauta do combate à corrupção?

Na declaração de apoio desta semana ou no Moro e no Dallagnol que há dois anos denunciaram e manifestaram preocupação justamente com a interferência política de Bolsonaro que estaria tentando impedir investigações sobre amigos e aliados do presidente?

Vejamos. Ao anunciar a saída do Ministério da Justiça em abril de 2020, o ex-juiz disse que tinha que "preservar" a "biografia". Moro denunciou publicamente que Bolsonaro queria escolher um diretor da Polícia Federal para ter proximidade e colher informações. O presidente, segundo Moro, tinha preocupação com inquéritos em curso no Supremo Tribunal Federal que envolviam aliados e até os filhos de Bolsonaro.

Na ocasião, o agora senador ainda revelou: "o presidente me disse mais de uma vez, expressamente, que ele queria ter uma pessoa do contato pessoal dele, que ele pudesse ligar, que ele pudesse colher informações, que ele pudesse colher relatórios de inteligência".

Moro chegou a comparar a situação com a época dos governos petistas. "Imaginem se durante a própria Lava Jato, ministro, diretor-geral, presidente, a então presidente Dilma, o ex-presidente, ficassem ligando para o superintendente em Curitiba para colher informações sobre as investigações em andamento?". Essa situação chegou a ser investigada em um inquérito na PF que terminou arquivado por falta de provas.

Pouco depois da saída de Moro, Dallagnol escreveu um artigo no jornal O Globo, em junho de 2020. Em uma crítica indireta a Bolsonaro, o ex-procurador citou as notícias de interferência na polícia e afirmou que existia uma "ausência de um apoio firme à causa anticorrupção".

Dallagnol mencionou a "rejeição do papel da ciência na formulação de políticas públicas em meio à crise sanitária, possíveis ligações com milícias e disseminação de notícias falsas, ataques às instituições e arroubos verbais contra a democracia".

Em julho de 2020, Deltan também criticou, em entrevista à revista Veja, a "falta de apoio devido à pauta anticorrupção". Dallagnol ainda acrescentou: "O eventual uso do aparelho judiciário para proteger amigos políticos ou para perseguir inimigos políticos é algo típico de regimes autoritários, de ditaduras, e põe em xeque qualquer investigação contra pessoa poderosa".

O tempo passou e tanto Moro como Deltan decidiram disputar as eleições de 2022. Em inúmeras ocasiões, Moro fez novas críticas públicas a Bolsonaro. No lançamento de uma pré-candidatura à presidência, em 2021, Moro falou novamente da denúncia sobre interferência na PF.

"Quando aceitei o cargo, não o fiz por poder ou prestígio. Eu acreditava em uma missão. Queria combater a corrupção, mas, para isso, eu precisava do apoio do governo e esse apoio me foi negado", afirmou Moro, em novembro de 2021. E acrescentou: "Nunca renunciarei aos meus princípios e ao compromisso com o povo brasileiro. Nenhum cargo vale a sua alma"

Mais tempo passou e Moro desistiu da candidatura à presidência. A disputa no Paraná não foi fácil e, durante esse tempo, Moro enviou diversos sinais de reaproximação com Bolsonaro. Ao final, ele conseguiu a eleição ao Senado e Deltan se tornou o deputado mais votado daquele estado em 2022.

Na terça-feira (4), os dois anunciaram apoio a Bolsonaro. O primeiro foi Moro que também telefonou a Bolsonaro. Depois, anunciou em seu perfil do twitter: "Lula não é uma opção eleitoral, com seu governo marcado pela corrupção da democracia. Contra o projeto de poder do PT, declaro, no segundo turno, o apoio para Bolsonaro." Bolsonaro aceitou o apoio de braços abertos dizendo que a antiga denúncia agora é "passado".

Deltan compartilhou a postagem de Moro e escreveu: "Precisamos unir centro e direita em favor do combate à corrupção, de políticas públicas com base em evidências e de valores da cultura judaico-cristã que dão base à nossa sociedade como amor, compaixão e serviço às pessoas".

Nenhum dos dois sequer cobrou propostas do atual presidente com a agenda de combate à corrupção. O apoio foi manifestado sem que Bolsonaro tenha assumido compromisso algum.

Desde 2019, Bolsonaro trocou o diretor da PF cinco vezes. Mais que Lula, Dilma e Temer juntos. Bolsonaro foi o primeiro presidente a não escolher um procurador-geral da República por meio da lista tríplice da categoria desde 2003. O comando da Receita Federal foi trocado em meio à pressão por conta das investigações sobre o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

O próprio senador foi denunciado por liderar uma organização criminosa que desviou R$ 6,1 milhões dos cofres da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio). Carlos Bolsonaro, o segundo filho do presidente, está com o sigilo bancário quebrado e é investigado pelos mesmos crimes. No mesmo procedimento, a segunda mulher de Bolsonaro, Ana Cristina Valle, também é investigada.

Em diferentes ocasiões, a Transparência Internacional, que muitas vezes defendeu o trabalho feito pela Lava Jato, denunciou os retrocessos no combate à corrupção durante o governo Bolsonaro.

Moro e Deltan, aparentemente, esqueceram tudo que escreveram e disseram sobre os ataques de Bolsonaro ao combate à corrupção. Também sobre o que o atual presidente fez na pandemia, ao negar a ciência. Resta aos eleitores escolher se acreditam na dupla de 2020 ou na de 2022. Até porque nenhum dos dois disse uma palavra sobre as recentes — e numerosas — denúncias de corrupção que envolvem o governo e a família presidencial.