Ramagem barrou demissão de servidores da Abin investigados por espionagem
Quando era diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) barrou, em setembro de 2021, a demissão de dois servidores da agência que acabaram fora do serviço público apenas na última sexta-feira (20) após serem presos pela Polícia Federal na operação Última Milha.
A PF investiga o uso indevido por parte de servidores da Abin de um sistema de geolocalização de dispositivos móveis para, sem autorização judicial, espionar integrantes do Judiciário, jornalistas e adversários do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) entre 2019 e 2021.
A apuração que culminou na demissão de Rodrigo Colli e Eduardo Arthur Izycki na última sexta-feira teve início no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro.
Após a interferência de Ramagem, em 2021, o processo levou mais dois anos para ser concluído. Ramagem chefiou a Abin de 2019 a março do ano passado, quando deixou o cargo para disputar a eleição para deputado federal.
Em maio de 2019, a Abin abriu uma sindicância para apurar a participação de Colli e Izycki, na condição de sócios em uma empresa, de um pregão no Exército —a prática é vetada a servidores da agência. No mês seguinte, foi aberto um procedimento administrativo.
Com acesso exclusivo aos documentos do procedimento administrativo, a coluna verificou que, em 23 de abril de 2021, a corregedoria-geral do órgão reconheceu a culpa dos servidores e acompanhou a recomendação do relatório final que pedia a demissão dos dois.
Os autos foram então enviados a Ramagem, que deveria dar seguimento para que o então ministro Augusto Heleno, do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), formalizasse a demissão. Ramagem, porém, mandou que o procedimento retornasse para novos depoimentos e coleta de provas.
Além disso, uma nova comissão precisou ser criada para analisar o caso, o que atrasou a demissão em mais dois anos.
A coluna apurou que a PF investiga a atuação de Ramagem nesse episódio do atraso da demissão porque existem suspeitas de que a direção da Abin estaria sendo chantageada pelos servidores que supostamente ameaçavam denunciar o uso ilegal da ferramenta First Mile.
Ao barrar o pedido de demissão feito pela corregedoria, em 15 de setembro de 2021, Ramagem identificou o que considerou falta de individualização de condutas dos agentes, ausência de oitiva dos proprietários e gestores da empresa privada e a necessidade de mais provas do conflito de interesses.
Ele escreveu que "face às indicações de vícios insuperáveis" eram necessárias novas diligências. Ramagem ainda afirmou que, "conforme se extrai dos autos, os autores não auferiram qualquer vantagem financeira, nem sequer causaram prejuízo ao erário".
Ele defendeu também a necessidade de avaliação para que a pena a ser imposta aos servidores tivesse uma dosagem justa. "Cumpre salientar que os mesmos são primários e possuem boa reputação no órgão, tendo sempre prestado serviços reconhecidos pela qualidade técnica e pela eficiência dos resultados em prol da Administração."
Em nota ao UOL, Ramagem reiterou as alegações e afirmou ter verificado na ocasião o que define como "claro cerceamento de defesa fatalmente anulável na Justiça".
A primeira decisão apenas converteu o julgamento em diligências, para sanar essas falhas, aproveitar provas produzidas e promover novo indiciamento. Assim foi feito, concluindo de forma técnica pela demissão dos dois oficiais de inteligência, sem vícios insanáveis.
Alexandre Ramagem, em nota ao UOL
Demissões só em 2023
Na última sexta-feira, em edição extra do "Diário Oficial da União", os dois servidores foram demitidos do cargo de oficial de inteligência da Abin. As demissões foram assinadas pelo ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, e publicadas no Diário Oficial da União.
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Quero receberEm nota, a Casa Civil justificou as demissões dizendo que, em 2018, foi "constatada a participação [de Rodrigo e Eduardo], na condição de sócios representantes da empresa ICCIBER/CERBERO, de pregão aberto pelo Comando de Defesa Cibernética do Exército Brasileiro". O pregão tinha por objeto a compra de solução de exploração cibernética capaz de realizar coleta de dados em diversas fontes da internet.
Com isso, eles incorreram na Abin em três infrações administrativas: violação de proibição de atuação em gerência e administração de sociedade empresária, improbidade administrativa por conflito de interesse e violação do regime de dedicação exclusiva.
A partir da operação da PF, os investigados podem responder pelos crimes de invasão de dispositivo informático alheio, organização criminosa e interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.
As defesas de Rodrigo Colli e Eduardo Arthur Izycki não foram localizadas. O espaço segue aberto.
Ramagem na mira do inquérito das milícias digitais
A coluna apurou que, a partir da operação da PF, Ramagem entra na mira das investigações do inquérito das milícias digitais onde se apura a existência de uma organização criminosa criada para tentar dar um golpe de Estado no Brasil e fazer com que Bolsonaro permanecesse ilegalmente no poder.
Delegado da PF, Ramagem atuou na coordenação de grandes eventos no Brasil: Conferência das Nações Unidas Rio+20 (2012); Copa das Confederações (2013); Copa do Mundo (2014) e Jogos Olímpicos do Rio (2016).
A aproximação com Bolsonaro ocorreu a partir do segundo turno da eleição de 2018, quando o delegado comandou a segurança pessoal do então presidente eleito. Até o período em que se tornou coordenador da segurança do presidente, Ramagem era visto como um delegado técnico.
Após o período na segurança de Bolsonaro, no fim de 2018, Ramagem foi nomeado Superintendente Regional da PF no Ceará, mas acabou chamado para o cargo de assessor especial da Secretaria de Governo da Presidência da República, na função de auxiliar direto do então ministro Carlos Alberto Santos Cruz.
Com a saída de Santos Cruz, Ramagem assumiu a Abin em julho de 2019. Nessa época, começaram os rumores sobre a existência de uma "Abin paralela" que produziria dossiês com informações sobre adversários do presidente. O governo sempre negou a informação.
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