Juliana Dal Piva

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Reportagem

PF investiga se Abin produziu dossiês sobre adversários de Bolsonaro

A Polícia Federal investiga se a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) produziu durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) dossiês sobre adversários políticos do ex-presidente.

A investigação ocorre no âmbito do inquérito que apura a suspeita de uso ilegal do software de espionagem First Mile por servidores da Abin durante a gestão Bolsonaro.

A PF apura se os supostos dossiês foram produzidos a partir de dados obtidos por meio do First Mile em combinação com outras ferramentas da agência.

Dois agentes da Abin, que pediram anonimato à coluna, relataram que tiveram conhecimento da produção de relatórios cujos alvos eram integrantes do PT e do PCdoB.

O foco de um dos documentos —que teria sido produzido na gestão de Alexandre Ramagem na Abin— foi um dos atuais ministros do presidente Lula (PT).

A coluna teve acesso a dois desses documentos:

Um deles possui quatro páginas e o outro, cinco.

Nenhum deles está timbrado. Segundo os agentes, isso foi proposital porque eles foram feitos sem justificativa, com desvio de finalidade e em meio a outros solicitados legalmente pela Casa Civil do governo Bolsonaro durante a gestão do general Braga Netto.

O alvo é inicialmente qualificado com seus dados pessoais, como CPF e a data de nascimento.

Também é relatado se o alvo tem dívida ativa com a União, um resumo dos processos na Justiça Eleitoral, TCU (Tribunal de Contas da União) e STF (Supremo Tribunal Federal), além de uma análise sobre doações de campanha e escândalos na imprensa.

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Segundo agentes da Abin, esse primeiro documento seria produzido com ferramentas internas para rastreio em fontes abertas —o que chamaria menos atenção— e, posteriormente, repassado ao Palácio do Planalto.

A coluna apurou que uma das linhas da PF investiga uma possível combinação de ferramentas na Abin para a produção de dossiês utilizando tanto dados abertos como os obtidos por meio do First Mile, por exemplo.

Segundo a PF, o software da empresa Cognyte foi usado sem aval da Justiça para espionar integrantes do Judiciário, jornalistas e adversários de Bolsonaro entre 2019 e 2021.

Procurado, Alexandre Ramagem não respondeu sobre a suposta produção ilegal de relatórios. Em nota, disse que promoveu apuração interna para sanar irregularidades.

"Essas ferramentas eram de uso e gestão exclusiva do departamento de operações. Nossas correições é que demonstraram e impuseram, inclusive com corregedoria, aprimoramento de controle para não haver irregularidades. Fizemos controle de conformidade com servidores da CGU [Controladoria-Geral da União], exoneramos o chefe do departamento e encaminhamos a análise do contrato e procedimentos à corregedoria", afirmou o ex-diretor da Abin.

Procurado, o general Braga Netto não retornou. O espaço segue aberto.

Como o First Mile funciona

O First Mile é um dos muitos programas de computador que aproveitaram uma falha técnica nas operadoras de telefonia para captar dados da posição geográfica dos donos de telefones celulares. Ele capta a posição das pessoas a partir da proximidade do sinal do aparelho delas com a torre de celular mais próxima, a estação rádio-base (ERB).

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A informação não é pública e costuma ser fornecida pelas operadoras às polícias e promotorias mediante autorização judicial, mas muitos investigadores conseguem obter esses dados apenas fazendo um pedido às empresas.

O First Mile ficou obsoleto. A falha de segurança das operadoras foi sendo corrigida aos poucos. Por essa razão e após disputas internas na Abin sobre a legalidade do aplicativo, o software deixou de ser usado pela agência em maio de 2021.

Ramagem e o bolsonarismo

A coluna apurou que, a partir da operação Última Milha da PF, Ramagem entra na mira das investigações do inquérito das milícias digitais, onde se apura a existência de uma organização criminosa criada para tentar dar um golpe de Estado no Brasil e fazer com que Bolsonaro permanecesse ilegalmente no poder.

Atualmente deputado federal pelo PL no Rio de Janeiro, o delegado federal já atuou na coordenação de grandes eventos: Conferência das Nações Unidas Rio+20 (2012); Copa das Confederações (2013); Copa do Mundo (2014) e Jogos Olímpicos do Rio (2016).

A aproximação com Bolsonaro ocorreu a partir do segundo turno da eleição de 2018, quando o delegado comandou a segurança pessoal do então presidente eleito.

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Em 2019, Ramagem foi nomeado Superintendente Regional da PF no Ceará, mas acabou chamado para o cargo de assessor especial da Secretaria de Governo da Presidência da República, na função de auxiliar direto do então ministro Carlos Alberto Santos Cruz.

Com a saída de Santos Cruz, Ramagem assumiu a Abin em julho de 2019. Nessa época, começaram os rumores sobre a existência de uma "Abin paralela" que produziria dossiês com informações sobre adversários de Bolsonaro. O governo sempre negou a informação.

Em abril de 2020, Bolsonaro e o então ministro da Justiça Sergio Moro romperam depois que o então presidente decidiu que queria Ramagem como diretor-geral da PF, o que Moro era contra. Para o ex-juiz, a opção era uma interferência política do presidente na PF.

Já no segundo semestre de 2020, Ramagem esteve com o ministro Augusto Heleno, do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), em uma reunião com as advogadas do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). No encontro, foi discutida a suspeita levantada pelas advogadas de que dados do senador e da família foram acessados ilegalmente na Receita Federal para produzir relatórios no Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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