PF investiga se Abin produziu dossiês sobre adversários de Bolsonaro
A Polícia Federal investiga se a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) produziu durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) dossiês sobre adversários políticos do ex-presidente.
A investigação ocorre no âmbito do inquérito que apura a suspeita de uso ilegal do software de espionagem First Mile por servidores da Abin durante a gestão Bolsonaro.
A PF apura se os supostos dossiês foram produzidos a partir de dados obtidos por meio do First Mile em combinação com outras ferramentas da agência.
Dois agentes da Abin, que pediram anonimato à coluna, relataram que tiveram conhecimento da produção de relatórios cujos alvos eram integrantes do PT e do PCdoB.
O foco de um dos documentos —que teria sido produzido na gestão de Alexandre Ramagem na Abin— foi um dos atuais ministros do presidente Lula (PT).
A coluna teve acesso a dois desses documentos:
Um deles possui quatro páginas e o outro, cinco.
Nenhum deles está timbrado. Segundo os agentes, isso foi proposital porque eles foram feitos sem justificativa, com desvio de finalidade e em meio a outros solicitados legalmente pela Casa Civil do governo Bolsonaro durante a gestão do general Braga Netto.
O alvo é inicialmente qualificado com seus dados pessoais, como CPF e a data de nascimento.
Também é relatado se o alvo tem dívida ativa com a União, um resumo dos processos na Justiça Eleitoral, TCU (Tribunal de Contas da União) e STF (Supremo Tribunal Federal), além de uma análise sobre doações de campanha e escândalos na imprensa.
Segundo agentes da Abin, esse primeiro documento seria produzido com ferramentas internas para rastreio em fontes abertas —o que chamaria menos atenção— e, posteriormente, repassado ao Palácio do Planalto.
A coluna apurou que uma das linhas da PF investiga uma possível combinação de ferramentas na Abin para a produção de dossiês utilizando tanto dados abertos como os obtidos por meio do First Mile, por exemplo.
Segundo a PF, o software da empresa Cognyte foi usado sem aval da Justiça para espionar integrantes do Judiciário, jornalistas e adversários de Bolsonaro entre 2019 e 2021.
Procurado, Alexandre Ramagem não respondeu sobre a suposta produção ilegal de relatórios. Em nota, disse que promoveu apuração interna para sanar irregularidades.
"Essas ferramentas eram de uso e gestão exclusiva do departamento de operações. Nossas correições é que demonstraram e impuseram, inclusive com corregedoria, aprimoramento de controle para não haver irregularidades. Fizemos controle de conformidade com servidores da CGU [Controladoria-Geral da União], exoneramos o chefe do departamento e encaminhamos a análise do contrato e procedimentos à corregedoria", afirmou o ex-diretor da Abin.
Procurado, o general Braga Netto não retornou. O espaço segue aberto.
Como o First Mile funciona
O First Mile é um dos muitos programas de computador que aproveitaram uma falha técnica nas operadoras de telefonia para captar dados da posição geográfica dos donos de telefones celulares. Ele capta a posição das pessoas a partir da proximidade do sinal do aparelho delas com a torre de celular mais próxima, a estação rádio-base (ERB).
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Quero receberA informação não é pública e costuma ser fornecida pelas operadoras às polícias e promotorias mediante autorização judicial, mas muitos investigadores conseguem obter esses dados apenas fazendo um pedido às empresas.
O First Mile ficou obsoleto. A falha de segurança das operadoras foi sendo corrigida aos poucos. Por essa razão e após disputas internas na Abin sobre a legalidade do aplicativo, o software deixou de ser usado pela agência em maio de 2021.
Ramagem e o bolsonarismo
A coluna apurou que, a partir da operação Última Milha da PF, Ramagem entra na mira das investigações do inquérito das milícias digitais, onde se apura a existência de uma organização criminosa criada para tentar dar um golpe de Estado no Brasil e fazer com que Bolsonaro permanecesse ilegalmente no poder.
Atualmente deputado federal pelo PL no Rio de Janeiro, o delegado federal já atuou na coordenação de grandes eventos: Conferência das Nações Unidas Rio+20 (2012); Copa das Confederações (2013); Copa do Mundo (2014) e Jogos Olímpicos do Rio (2016).
A aproximação com Bolsonaro ocorreu a partir do segundo turno da eleição de 2018, quando o delegado comandou a segurança pessoal do então presidente eleito.
Em 2019, Ramagem foi nomeado Superintendente Regional da PF no Ceará, mas acabou chamado para o cargo de assessor especial da Secretaria de Governo da Presidência da República, na função de auxiliar direto do então ministro Carlos Alberto Santos Cruz.
Com a saída de Santos Cruz, Ramagem assumiu a Abin em julho de 2019. Nessa época, começaram os rumores sobre a existência de uma "Abin paralela" que produziria dossiês com informações sobre adversários de Bolsonaro. O governo sempre negou a informação.
Em abril de 2020, Bolsonaro e o então ministro da Justiça Sergio Moro romperam depois que o então presidente decidiu que queria Ramagem como diretor-geral da PF, o que Moro era contra. Para o ex-juiz, a opção era uma interferência política do presidente na PF.
Já no segundo semestre de 2020, Ramagem esteve com o ministro Augusto Heleno, do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), em uma reunião com as advogadas do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). No encontro, foi discutida a suspeita levantada pelas advogadas de que dados do senador e da família foram acessados ilegalmente na Receita Federal para produzir relatórios no Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).
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