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Juliana Dal Piva

REPORTAGEM

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Nomeação do 2º colocado em eleição para chefia do MP-RJ gera crise interna

O procurador geral de Justiça do Rio de Janeiro e chefe do Ministério Público estadual, Luciano Mattos - Divulgação/MPRJ
O procurador geral de Justiça do Rio de Janeiro e chefe do Ministério Público estadual, Luciano Mattos Imagem: Divulgação/MPRJ

Colunista do UOL

13/01/2023 10h56

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O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, nomeou nesta sexta-feira (13), Luciano Mattos, para um novo mandato de dois anos como procurador-geral de Justiça fluminense. Mattos foi o segundo mais votado. Ele perdeu a eleição para a procuradora Leila Machado Costa, em dezembro. Ele fez 437 votos. Já Leila Machado Costa obteve 485 votos. A escolha de Castro pelo segundo mais votado da lista do MP-RJ (Ministério Público do Rio) deflagrou uma crise interna e causou revolta.

"Verdadeira sexta-feira 13", escreveu um promotor em um grupo da categoria. "Tem que entrar para a História do MPRJ como o Dia da Desonra. Todo ano, neste dia, teremos o dever de fazer um minuto de silêncio para lembrarmos da desonra e impedirmos que volte a acontecer", escreveu outro integrante do MP fluminense.

Pela constituição estadual, no Rio de Janeiro, o governador é obrigado a escolher um dos três nomes da lista votada pela associação do MP-RJ. Castro, porém, não precisa escolher o mais votado. Pode nomear qualquer um dos três. No entanto, é tradição, desde 2003, que o mais votado pela categoria seja nomeado. O próprio Luciano Mattos assinou cartas no período da eleição se comprometendo a respeitar a nomeação do mais votado. Leila Costa seria a primeira mulher a chefiar o MP se tivesse sido nomeada.

Nesta sexta-feira, porém, após sua nomeação, ele escreveu uma mensagem na lista interna de emails do MP dizendo que vai acatar a nomeação do governador.

"Jamais afirmei - nem poderia fazê-lo em face da vigente ordem jurídica - que o apoio por mim manifestado constituiria óbice para eventual nomeação pelo Chefe do Poder Executivo, que, como se sabe, detém a prerrogativa constitucional de escolher livremente o Procurador-Geral de Justiça entre os integrantes da lista tríplice composta em eleição pela classe", escreveu Mattos.

Segundo ele, a desistência seria um "ato extremado". "Cumpri a promessa, que obviamente não se desdobra na prática de atos extremados, como a desistência da figuração em lista ou a renúncia ao cargo.Todos devemos estrita obediência à Constituição da República, que não avaliza qualquer postura tendente a limitar ou cercear, de forma radical, a faculdade assegurada ao Governador neste processo", afirmou Mattos.

Na última semana, nos bastidores, interlocutores do governador relataram à coluna que Castro recebeu pressão do grupo de Mattos por sua recondução. Segundo os relatos, até ministros de cortes superiores teriam telefonado intercedendo pela nomeação do segundo mais votado.

Em função disso, promotores passaram a organizar um abaixo-assinado que chegou a ter mais de 400 assinaturas. A coluna apurou que até entre o secretariado de Castro avaliava-se que o melhor seria nomear Leila para evitar crise com o MP. Na visão de alguns secretários, a nomeação do segundo colocado poderia ser interpretada como uma interferência na classe.

O fato do atual procurador ter sido menos votado que Leila Machado Costa demonstraria que ele não possui força junto à base do MP, em especial, os promotores de primeira instância.

Aliados de Castro se preocupam com as investigações relativas ao escândalo dos cargos secretos do Ceperj revelado pelos repórteres Ruben Berta e Igor Mello, do UOL, no ano passado. Muitos procedimentos tramitam, inclusive, fora do âmbito da Procuradoria Geral de Justiça devido ao envolvimento de investigados sem foro.

Mesmo assim, o governador optou por Mattos. Essa escolha também pode definir o futuro de investigações que apuram casos de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa envolvendo integrantes da família Bolsonaro. Além disso, pode impactar nas investigações que apuram o assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes, em 2018.

O governador recebeu a lista tríplice na semana passada das mãos de Marfan Vieira Martins, subprocurador-geral de Justiça de Relações Institucionais e Defesa de Prerrogativas do MP-RJ. Martins participou da cerimônia de posse dos secretários e aproveitou a oportunidade para entregar o documento.

A derrota de Mattos ocorreu em meio a diversas críticas à gestão dele, que iniciou em janeiro de 2021. Dois aspectos criticados são, inclusive, públicos. Desde que assumiu, Mattos acabou com o grupo especializado no combate à corrupção, o Gaecc, e as investigações que estavam em andamento na área, inclusive a do senador Flávio Bolsonaro, não tiveram maiores desdobramentos nos últimos dois anos. Diferentes testemunhas que confessaram à imprensa, inclusive à coluna, participação no esquema, sequer foram chamados para prestar depoimento.