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Kennedy Alencar

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Trombada interna enfraquece CPI quando ela acha provas contra Bolsonaro

11.mai.2021 - Omar Aziz (PSD-AM) e Renan Calheiros (MDB-AL) conversam entre parede de acrílico na CPI da Covid - REUTERS
11.mai.2021 - Omar Aziz (PSD-AM) e Renan Calheiros (MDB-AL) conversam entre parede de acrílico na CPI da Covid Imagem: REUTERS

Colunista do UOL

12/05/2021 18h01

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Ao divergirem sobre a prisão do ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten, os senadores enfraquecem a CPI da Pandemia num momento em que ela produz provas contra a resposta negligentemente homicida do presidente Jair Bolsonaro à pandemia de coronavírus. Wajngarten confirmou que o governo ficou dois meses sem responder a uma oferta de vacinas da Pfizer feita por carta.

Ou seja, Wajngarten expôs a omissão na compra de vacinas que poderiam ter evitado mais mortes e mais doentes. Outros depoimentos, como o do diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, e do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, confirmaram que houve reunião oficial no Palácio do Planalto para tentar mudar a bula da cloroquina, algo ilegal.

A sessão da CPI foi suspensa às 17h10 depois de uma discussão entre o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), a respeito de eventual pedido de prisão de Wajngarten. O filho do presidente disse que o ex-secretário não poderia ser preso por ordem de um "vagabundo". "Imagina a situação: um cidadão honesto ser preso por um vagabundo como Renan Calheiros", disse Flávio.

O relator da CPI devolveu o xingamento, dizendo que "vagabundo" era Flávio por se apropriar de salários de funcionários. "Vagabundo é você, que roubou dinheiro do pessoal do seu gabinete", rebateu Renan.

Nesse momento, o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), disse que suspenderia a sessão porque o plenário do Senado estava em regime de votação. Segundo o regimento, as comissões não podem funcionar durante a chamada ordem do dia do Senado.

Antes da discussão entre Renan e Flávio Bolsonaro, houve uma trombada entre Omar Aziz e outros senadores, entre os quais o próprio relator. Foi o primeiro racha explícito do grupo de 7 senadores que tem atuado unido contra 4 governistas.

Depois de ter ameaçado por volta do meio-dia prender Wajngarten por mentir à CPI, Aziz mudou de posição e se opôs ao pedido feito por Renan pouco antes das 17h.

Renan e outros senadores argumentaram que Wajngarten mentiu à CPI. Aziz discordou e avisou que seria uma medida muito dura. Renan recuou, mas não ficou claro se algum senador pediria a prisão, o que Aziz disse que poderia ser feito. Segundo o presidente, o autor se responsabilizaria pelas consequências do pedido.

Três mentiras

Houve, pelo menos, três mentiras do ex-secretário de Comunicação ao longo do depoimento. À CPI, Wajngarten disse que nunca agiu a mando do presidente quando entrou nas negociações com a Pfizer para adquirir vacinas.

No entanto, o senador Alessandro Vieira (Rede-SE) citou trecho da entrevista do ex-secretário à revista "Veja" no mês de abril na qual ele disse ter agido com autorização de Bolsonaro: "[Agi devido] aos riscos da falta de vacina e mobilizei com aval do presidente vários setores da sociedade".

Wajngarten procurou o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes e o procurador-geral da República, Augusto Aras, para tratar da vacina. À CPI, disse que Bolsonaro não sabia que ele teria essas conversas.

Wajngarten mentiu dizendo não ter sido responsável pela divulgação da campanha "O Brasil Não Pode Parar" em março do ano passado. Disse ainda que estava com covid-19 na época e não estava trabalhando.

Senadores mostraram cópias de posts na internet provando que a Secom (Secretaria de Comunicação de Governo) confeccionara a campanha. Ao longo do depoimento, quando foi exposta sua mentira, Wajngarten admitiu que a campanha era obra da Secom, mas havia sido divulgada antes de ser finalmente aprovada.

O senador Rogério Carvalho (PT-SE) mostrou na CPI um vídeo com conversa entre Wajngarten e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) na época em que o então secretário estava com covid. Na live, ele minimizou a gravidade da doença e disse estar trabalhando normalmente, inclusive aprovando campanhas.

Ou seja, Wajngarten só deixou de mentir quando elas foram expostas na CPI. É óbvio que ele faltou com a verdade e que poderia ser preso, mas Omar Aziz, por cálculo político, rachou o grupo de sete senadores que costuma jogar contra os governistas na CPI.

Racha

No fim da tarde, Aziz e Renan divergiram sobre um ponto da entrevista à revista "Veja" na qual Wajngarten atribuiu à incompetência do governo para comprar as vacinas da Pfizer, num contexto em que se referia ao Ministério da Saúde ("time pequeno, sem experiência").

No começo do depoimento, Wajngarten disse que a compra da vacina da Pfizer fracassou devido a cláusulas draconianas e à burocracia do governo. Ele negou ter chamado o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello de incompetente na entrevista.

Para Aziz, Wajngarten não faltou com a verdade. Renan Calheiros, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Humberto Costa (PT-PE), Alessandro Vieira e Fabiano Contarato (Rede-ES) avaliaram que Wajngarten mentira à CPI. Renan afirmou que abrir o precedente de admitir mentiras na CPI seria uma porta difícil de ser fechada posteriormente. Mesmo assim, Aziz manteve a recusa em pedir a prisão.

Humberto Costa fez sugestão para contemporizar e diminuir o desgaste da CPI devido ao racha. O presidente da comissão enviaria cópia do depoimento para análise do Ministério Público, que decidiria sobre a correção do pedido de prisão de Wajngarten. Aziz retomou os trabalhos e acatou a solicitação de Humberto Costa às 19h08, mas o dano à CPI já estava feito.

A divisão na Comissão Parlamentar de Inquérito foi boa politicamente para Bolsonaro. A CPI piscou quando tinha a faca e o queijo na mão.