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Kennedy Alencar

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Pazuello dá uma de Chacrinha: "Eu vim para confundir e não para explicar"

19.mai.2021 - O ex-ministro da Saúde general Eduardo Pazuello presta depoimento à CPI da Covid - Edilson Rodrigues/Agência Senado
19.mai.2021 - O ex-ministro da Saúde general Eduardo Pazuello presta depoimento à CPI da Covid Imagem: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Colunista do UOL

19/05/2021 11h45Atualizada em 19/05/2021 19h09

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O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello cumpriu na CPI da Pandemia a missão de defender o presidente Jair Bolsonaro. Não há como Pazuello incriminar Bolsonaro sem se incriminar. Ele negou ter recebido "ordens diretas" do presidente, apesar de fartas provas disso.

Logo, Pazuello mentiu hoje na CPI.

Do ponto de vista político e jurídico, faz sentido a estratégia do ex-ministro da Saúde. Ele e Bolsonaro são parceiros na tragédia que já matou 440 mil brasileiros na pandemia.

"Em nenhum momento, o presidente me desautorizou ou me orientou a fazer qualquer coisa diferente do que eu estava fazendo. As ações foram todas minhas", disse Pazuello. A afirmação na CPI contradisse declarações e fatos públicos da relação entre o presidente e o então ministro da Saúde.

Em outubro do ano passado, Bolsonaro proibiu Pazuello de comprar a vacina chinesa Coronavac depois de o então ministro ter feito tal promessa em encontro com secretários estaduais de saúde.

Logo após ser desautorizado publicamente pelo presidente, o próprio ex-ministro da Saúde, quando se recuperava de covid-19, definiu assim a relação entre ele e Bolsonaro: "Um manda e o outro obedece".

Na sua fala inicial e na primeira hora de inquirição do relator da CPI, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), Pazuello adotou tom incisivo e seguro que contrastou com suas entrevistas quando ministro. Por volta das 11h, ele começou a se enrolar e voltar ao modo prolixo com o qual sempre se expressou publicamente.

Ao responder sobre o uso abusivo de cloroquina, Pazuello se confundiu e voltou atrás. O medicamente funciona contra a malária, mas não em relação à covid-19 e pode matar quem tem arritmia cardíaca. "Não vou entrar no mérito porque realmente não tenho conhecimento para entrar", disse Pazuello quando o senador Otto Alencar (PSD-BA) informou que a cloroquina tinha ação contra protozoários e não era antiviral, como falara o ex-ministro da Saúde.

Pazuello negou a existência de um "aconselhamento paralelo" a Bolsonaro, mas afirmou que seria natural o presidente ouvir diversas pessoas para formar a própria opinião. Ele também negou ter recebido conselhos e pedidos de filhos de Bolsonaro. "Não havia influência dos três filhos políticos do presidente."

Presente à CPI, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) se queixou de quererem proibir um filho de conversar com o pai. Não se trata disso, mas de pessoas sem cargo no governo participarem de decisões fundamentais. Qual é o sentido de o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) participar de reunião com representantes da Pfizer para tratar de compra de vacinas? É, no mínimo, inapropriado.

Ao falar do desprezo do governo pela negociação com a Pfizer, Pazuello repetiu o argumento da dificuldade de refrigeração da vacina e de óbices legais e regulatórios. Ora, isso seria trabalho mesmo do governo brasileiro se tivesse interessado na vacina. Mas não estava, como mostravam as declarações dadas pelo presidente e o próprio Pazuello.

No fim do ano passado, Bolsonaro falou do risco de tomar a vacina da Pfizer e virar jacaré. Pazuello reclamou da pressa das pessoas pela vacina: "Para que essa ansiedade e essa angústia?", indagou em dezembro sobre uma cobrança para apresentar um plano nacional de imunização.

Pazuello e Bolsonaro desprezaram a aquisição de vacinas no segundo semestre do ano passado. Só passaram a dar atenção à imunização a partir de março deste ano. O ex-ministro negou que a Pfizer tenha ficado sem respostas, como disseram à CPI o ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten e o ex-presidente da Pfizer no Brasil Carlos Murillo.

Segundo Pazuello, houve respostas por meio de negociações que não foram concretizadas até março, quando houve contrato formal com a farmacêutica. "Ministro não pode fazer negociação com empresas", disse Pazuello, atribuindo a tarefa de negociar a subordinados.

Por volta de 11h30, o depoimento esquentou. Renan Calheiros indagou diversas vezes por que não houve resposta a sete propostas da Pfizer. "As respostas foram respondidas inúmeras vezes na negociação. (...) Queremos comprar a Pfizer o tempo todo. O sr. me desculpe, mas o sr. está querendo conduzir a conversa", rebateu Pazuello.

O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), advertiu Pazuello, dizendo que ele não poderia repreender o relator. Houve pequeno tumulto no momento, com o senador Marcos Rogério (DEM-RO) afirmando que Renan não podia induzir respostas.

Pazuello continuou jogando na retranca, cumprindo a missão política e jurídica de preservar Bolsonaro e também a si mesmo. Renan se manteve no ataque.

Quando o relator da CPI lembrou que Bolsonaro o desautorizara publicamente a comprar a Coronavac, inclusive com postagem na internet, Pazuello disse que mensagem em rede social não era ordem para ele e ponto. Segundo Pazuello, não vale o que Bolsonaro escreve nas redes sociais, só o que diz diretamente aos ministros.

Na CPI, o ex-ministro da Saúde segue a estratégia Chacrinha: "Eu vim para confundir e não para explicar".

Senadores perdem paciência

Diante das mentiras em série de Pazuello, senadores fizeram intervenções mais incisivas. Uma coisa é se calar para não se incriminar, um direito constitucional. Outra coisa é dar falso testemunho à CPI da Pandemia. O ex-ministro optou pela segunda. É mentira, por exemplo, negar que Bolsonaro o desautorizara a comprar a coronavac. Mentir na cara dura e não acontecer nada é muito ruim para a CPI. Senadores se irritaram com o comportamento do ex-ministro.

"A sensação que temos é que o sr. está brincando com a cara da gente, o sr. já mentiu demais!", disse Eliziane Gama (Cidadania-MA).

Pazuello disse não ter negociado compra de vacinas com diretorias de empresas. Pressionado por Eliziane Gama, admitiu ter cumprimentado o presidente da Pfizer, Carlos Murillo, e depois ter ligado para fazer uma cobrança. É contraditório. Se não negociava compra de vacinas, que cobrança fez a Murillo? Se negociava, por que mentir à CPI?

Noutra intervenção dura, Eduardo Braga (MDB-AM) disse que o correto seria um ministro da Saúde estar interessado em comprar vacinas quando o Brasil mais precisava de imunizantes. A inquirição de Braga foi interrompida às 16h11 devido ao começo dos trabalhos no plenário do Senado.

"Missão cumprida", respondeu Pazuello sobre o motivo de sua demissão. De fato, ele cumpriu as metas de um presidente negacionista que é responsável por mais gente ter morrido, adoecido e ficado com sequelas sem necessidade. O Brasil ruma celeremente para meio milhão de mortos graças às ações e omissões de Bolsonaro e Pazuello. Um mandou e o outro realmente obedeceu.

Piada e mal-estar

No intervalo, Pazuello se sentiu mal e foi atendido pelo senador Otto Alencar, que é médico. Segundo Alencar, houve um quadro de "síndrome do vasovagal". O depoimento do ex-ministro da Saúde será retomado amanhã.

Em entrevista, Renan disse que contratará uma agência de checagem de fatos para acompanhar depoimentos. Parece piada. A CPI está encarregada de checar os fatos e apontar responsabilidades. O Senado também possui uma assessoria técnica. Apelar a uma agência de checagem de fatos sugere despreparo dos inquiridores.