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Leonardo Sakamoto

Bolsonaro adota um discurso para cada público como estratégia para a crise

8.abr.2020 -  O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante pronunciamento em rede nacional de rádio e televisão - Carolina Antunes/Presidência da República
8.abr.2020 - O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante pronunciamento em rede nacional de rádio e televisão Imagem: Carolina Antunes/Presidência da República

Colunista do UOL

08/04/2020 22h19

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Jair Bolsonaro voltou a falar em cadeia nacional de rádio e TV, na noite desta quarta (8), sobre a pandemia de coronavírus. Defendeu o uso da cloroquina nos estágios iniciais da infecção e o fim do isolamento social, além de listar medidas que seu governo vem tomando. Ao final, citou sua passagem bíblica preferida, o Evangelho de João 8:32 - "conhecereis a verdade, e ela vos libertará".

A questão é: em qual das "verdades" do presidente devemos confiar? Pois ele tem apresentado diferentes narrativas dependendo do interlocutor e da plataforma.

Nas redes sociais, o chamado "gabinete do ódio" comanda ataques diários a membros do seu próprio governo, como o general Hamilton Mourão, vice-presidente. O próprio Bolsonaro atacou Mandetta e divulgou notícias falsas sobre a pandemia - como é o caso do vídeo do Ceasa de Belo Horizonte, que ele mesmo apagou após ele ter cumprido seu papel de ataque a governadores e prefeitos.

Em entrevistas informais, Bolsonaro usa declarações que não seriam chanceladas se passassem pelo crivo da cúpula militar do Palácio do Planalto que o assessora - ou tutela, dependendo do ponto de vista. Por exemplo, em conversa com o jornalista José Luiz Datena, na TV Bandeirantes, na tarde de hoje, disse que as pessoas têm que "colocar seu vovô e vovó num canto, evitar o contato a menos de dois metros, e tem que trabalhar". O problema é que, nas favelas brasileiras, nas residências de cômodo único, não chegar a menos de dois metros do idoso significa não entrar na casa.

Na defesa do fim do isolamento social e da volta à normalidade, ele novamente passou por cima de cuidados civilizatórios mínimos. Chegou a dizer que "cada família tem que cuidar dos mais idosos, não pode deixar na conta do Estado". Ou seja, cada um por si e Deus acima de todos.

Já no pronunciamento em cadeia nacional, ele foi mais sutil. Responsabilizou governadores e prefeitos pelos impactos econômicos das medidas de quarentena ao mesmo tempo que chamou para si o sucesso no combate ao vírus. Sutilmente disse que é o uso da cloroquina e não o isolamento que vai evitar mortes. Até parece que o texto foi escrito por terceiros - no caso os tais tutores militares.

Como a estratégia de aplicar conteúdos de discursos diferentes a públicos diferentes deu certo na campanha, ele segue por esse caminho.

Mas uma parte considerável da população está assustada com tudo o que está acontecendo. Segundo o Datafolha, 51% acreditam que ele mais atrapalha do que ajuda e 17% dos seus eleitores se arrependem do voto. Ele já não reina mais no Twitter como antes, como mostram as análises de impacto político na rede. A continuidade do sucesso dessa estratégia depende, portanto, da contagem de corpos ser muito menor do que o previsto.

E, infelizmente, foram registrados 133 óbitos nas últimas 24 horas. O número de mortos continua acelerando.

Bolsonaro também nos lembrou de outra "verdade" em seu pronunciamento: de que é ele o presidente da República.

Ou seja, não é o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, não é o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, não são os governadores de São Paulo e do Rio, João Doria e Wilson Witzel - apesar de todos eles se portarem de forma mais republicana que ele desde que a crise começou. É ele.

"Tenho a responsabilidade de decidir sobre as questões do país de forma ampla, usando a equipe de ministros que escolhi para conduzir os destinos da nação. Todos devem estar sintonizados comigo", afirmou.

Seria redundante tal declaração, uma vez que vivemos (por enquanto) em uma democracia e ele foi eleito em outubro de 2018 e tomou posse em janeiro de 2019. Portanto, ela diz mais sobre as inseguranças dele do que sobre as nossas certezas.

Nesta quarta, o ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, ajudou o presidente nessa tarefa de reafirmação ao dizer: "Quem comanda esse time é o presidente Jair Messias Bolsonaro".

Não é a primeira vez que isso acontece. Desde que começaram as crises na saúde pública, na economia e na política trazidas pela pandemia de coronavírus, Bolsonaro tem, repetidas vezes, reafirmado que é ele quem manda.

"O presidente sou eu, pô. O presidente sou eu. Os ministros seguem as minhas determinações", afirmou Bolsonaro, no dia 26 de março, em frente ao Palácio do Alvorada. Ele respondia a um questionamento sobre a declaração do general Mourão, de que o governo continuava com posição única, defendendo o "isolamento e distanciamento social" para combater a infecção.

Em coletiva à imprensa, realizada no dia 18 de março, um Bolsonaro claramente ressentido pelo fato da mídia elogiar o trabalho de Mandetta e não o dele, afirmou: "se o time está ganhando, vamos fazer Justiça, vamos elogiar o seu técnico - e o seu técnico chama-se Jair Bolsonaro".

Mandetta, como fez nesta quarta, aproveitou para garantir sua manutenção no barco: "o presidente é o grande timoneiro".

Bolsonaro é o presidente, quer gostemos ou não. Seria importante, para o bem da vida de milhões de pessoas, que se desse conta disso e passasse a agir como tal. Para começar, poderia adotar um mesmo discurso para toda a nação e não uma narrativa oportunista para garantir a popularidade com diferentes audiências.

A sensação é de que, ao fazer isso, quer confundir para conquistas, a fim de garantir sua reeleição em 2022 e não unir esforços do país para combater uma pandemia assassina.