'Wassef está confessando para quem quiser ouvir', analisa Christian Dunker
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
Frederick Wassef, ex-advogado do presidente da República, afirmou que escondeu Fabrício Queiroz em suas propriedades porque havia um plano para assassiná-lo e culpar a família Bolsonaro por uma "queima de arquivo para evitar uma delação". Disse, em entrevista à Daniel Pereira e Sergio Ruiz, da revista Veja, que o Ministério Público e a Justiça deveriam lhe agradecer por proteger uma testemunha.
Essa é a mais nova justificativa de uma sequência de desculpas que ele vem dando sobre Queiroz.
"É a 'estratégia do caldeirão furado" na psicanálise. Quando temos algo que está recalcado, mobilizamos justificativas que, independentemente, seriam até razoáveis, mas, em conjunto, provam que a coisa não fica de pé. No afã de esconder o que se quer esconder, você traz um superávit de argumentos."
A avaliação é de Christian Dunker, psicanalista, professor titular do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e um dos coordenadores do Laboratório de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise da USP.
"Caldeirão furado" porque é baseada na história do sujeito que procura outro e reclama porque este devolveu furado um caldeirão que havia sido tomado em empréstimo. E ouve como resposta: "nunca vi o seu caldeirão", "nunca peguei o seu caldeirão", "mas quando devolvi, ele já estava furado".
Em julho de 2019, questionado pela repórter Andréia Sadi, no G1, Wassef disse que não conhecia Queiroz. Dois meses depois, afirmou à TV Globo que não sabia o seu paradeiro porque não era o advogado dele. No mês passado, em entrevista a Chico Alves e Tales Faria, aqui no UOL, afirmou que, na sua opinião, o faz-tudo da família Bolsonaro deveria reaparecer.
No sábado passado, após a operação policial que prendeu o ex-assessor de Flávio Bolsonaro, negou o empréstimo da casa de Atibaia. Em entrevista à Cátia Seabra, da Folha de S.Paulo, disse que nunca telefonou para Queiroz, nunca trocou mensagem com ele, nem com ninguém de sua família e afirmou que isso era "armação para incriminar o presidente". Atestou que o escritório estava vazio, que os móveis estavam do lado de fora e que tudo havia sido plantado.
No mesmo dia, Andrea Sadi mostrou o ridículo da situação ao questionar se "o Queiroz pulou o muro? Apareceu voando na casa do senhor? Ou foi levado por alguém?" No dia seguinte, Wassef disse à CNN que soube que Queiroz esteve em seu sítio e que o frequentava. Agora, apresenta a teoria da conspiração, tomando emprestado as "forças ocultas" citadas pelo então presidente Jânio Quadros.
Para o MP-RJ, Queiroz, faz-tudo dos Bolsonaro, gerenciava o desvio de recursos públicos dos gabinetes de Flávio e Jair, devolvendo parte do dinheiro à família, mas também repassando a milicianos do Rio.
"Entrei em modo guerra. Quando isso acontece, viro o diabo", afirmou Wassef à Veja. Ele estaria alternando lampejos de euforia com mergulhos em momentos de depressão, com verborragia e pausas dramáticas para respiração, segundo a reportagem.
"É uma atitude de dissociação, quando a pessoa toma um choque e não percebeu toda a extensão do problema em que se meteu, retardando a reação", afirma o psicanalista Christian Dunker.
"Ele narra as suas transformações de atitude. 'Entrei em modo' - por exemplo. Quando um problema acontece, pensamos e sentimos. Mas declarar isso na conversa com o outro mostra que a pessoa está orquestrando os seus discursos", explica.
Para Dunker, Wassef abre seus "bastidores", apresentando como o "truque" está sendo armado, como as histórias estão sendo montadas e escolhidas em sua cabeça. O aviso da mudança de comportamento é como informar uma "mudança de personagem". Um pequeno deslize que sinalizaria o modo discursivo em que ele está operando.
Espera-se que, em algum momento, ele encontre uma versão e fique com ela.
"Ele está confessando, para quem quiser ouvir. Isso em geral acontece quando a pessoa está fazendo uma coisa errada por muito tempo", diz.
"Mas devemos considerar que a pessoa tem que ter muito sangue frio para mentir descaradamente. A capacidade de fazer isso em público exige muito recurso subjetivo, pois a verdade amassa a gente, começa a pressionar para entregamos a posição e confessarmos", avalia.
Para o professor da USP, em outros casos, é possível sair pela tangente, dar uma declaração indeterminada.
Há casos em que - segundo ele - nós vamos nos enganando para, dessa forma, também poder enganar o outro por mais tempo. "Mas, do jeito em que ele foi pego, não tem como se enganar. Com isso, ele tem que manter um nível de dissociação diferente da média das pessoas", explica Dunker.
É raro ver um advogado de um presidente da República atuar dessa forma em público como tem ocorrido com Frederick Wassef. Era de se esperar que ele colocasse a situação na mesa, avaliasse os possíveis desdobramentos e consultasse outros colegas de forma a encontrar uma narrativa minimamente plausível antes de entrega-la à imprensa e à sociedade. As evidências de seu envolvimento, contudo, dificultaram sua vida.
Além disso, na avaliação de Dunker, ele nunca considerou a possibilidade de ser pego: "Quando você faz alguma coisa que não é aconselhável, pensa em um plano de B. Aparentemente, ele não tem isso e está criando tudo no ato. Sem a prudência de ter consultado um advogado ou um analista de imagem para montar uma estratégia e seguir nela. Um pouco como o ex-chefe dele, alternando para ver o caminho por onde pode dar certo. Com isso, a gente não sabe qual a verdade, mas percebe que não é nenhuma das que ele relatou".
Mas e o silêncio? Por que não fazer simplesmente silêncio ao invés de proferir falas contraditórias?
"A esta altura, o silêncio seria um grande desabono para o próprio Jair Bolsonaro. O presidente tenta trazer, em seu discurso, a justificativa da autenticidade. Se a pessoa não se pronuncia, vai ocorrer uma violação muito forte a esse suposto discursivo", avalia.