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Leonardo Sakamoto

De perdão a igrejas a fundo eleitoral, Bolsonaro cita impeachment como fuga

Presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia em Brasília -
Presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia em Brasília

Colunista do UOL

14/09/2020 15h09

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Bolsonaro cita o risco de sofrer impeachment quando precisa se justificar por decisões antipáticas de cunho econômico à sua base social. Desta vez, usou como desculpa "um quase certo processo de impeachment" para vetar o perdão de dívidas de impostos de igrejas.

A decisão, aprovada por parlamentares, foi bombardeada pela equipe econômica que viu - acertadamente - um disparate aprovado por deputados e senadores. Pois a questão não é a isenção tributária das atividades relacionadas à religião, mas a falta de taxação sobre lucrativos negócios criados por algumas igrejas e seus donos.

Com a aquisição do Centrão, no Congresso Nacional, Bolsonaro passou a respirar um pouco mais aliviado, uma vez que um processo de cassação não prospera - pelo menos, neste momento. Mas prefere empunhar a lorota. Talvez para evitar erosão de sua imagem junto a uma parcela da população que pularia no abismo em nome dele.

Outra ocasião em que Bolsonaro usou esse expediente foi quando evitou vetar o fundo eleitoral de R$ 2 bilhões para 2020 apesar dos pedidos de bolsonaristas. Disse em dezembro do ano passado e repetiu em janeiro deste ano que poderia ser alvo de um processo de impeachment.

"O Congresso pode entender que eu, ao vetar, atentei contra esse dispositivo constitucional e isso se tornar um processo de impeachment contra mim." Com a sanção, foi chamado de "traidor" nas redes sociais.

E, em julho de 2019, quando justificou um grande contingenciamento de recursos dos ministérios da Educação e da Cidadania, afirmando que não era adepto disso, mas "entre a crítica e o impeachment, eu fico com o contingenciamento".

O próprio Paulo Guedes pegou carona na estratégia, aproveitando para pressionar publicamente o chefe. "Os conselheiros do presidente que estão sugerindo pular a cerca e furar teto [dos gastos] e vão levar o presidente para uma zona de incerteza, uma zona sombria. Uma zona de impeachment de responsabilidade fiscal", disse em agosto.

Bolsonaro sabe que impeachment não vem apenas através de decisões econômicas - que, por sua vez, podem levar a pressões por parte do mercado ou abrir precedentes perigosos.

Se a sua preocupação com cassação de mandato fosse real, não teria sido irresponsável na gestão da pandemia de coronavírus, o que levou a mais de 131 mil mortos até agora. Nem interferido no comando da Polícia Federal para proteger família e amigos no escândalo de desvio de recursos públicos da Assembleia Legislativa do Rio. Muito menos compartilhando convocações para manifestações que pediam o fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional - para citar apenas três dos muitos motivos que embasam as dezenas de pedidos de impeachment que chegaram à Câmara dos Deputados.

Talvez se o presidente conhecesse a matéria que está vetando ou sancionando, ele conseguiria uma explicação detalhada. Poderia argumentar à população as razões de sua decisão.

O que surpreende, porém, é que adota a saída do "impeachment" sistematicamente - o que indica um preocupante vazio de conteúdo e uma falta de coragem de assumir a consequência de seus atos.

Por fim, ao falar do veto ao perdão de impostos a igrejas, Bolsonaro ainda teve um momento "eppur si muove" - que não representou resistência diante da opressão da igreja, mas o contrário.

A lenda conta que Galileu Galileu murmurou a frase - que significa "no entanto, ela se move" - após ser obrigado a negar que a Terra realiza um movimento em torno do Sol diante do tribunal da Inquisição em 1633.

Bolsonaro, por outro lado, após justificar-se sobre o veto, sugeriu ao Congresso Nacional que o derrubasse: "confesso, caso fosse deputado ou senador, por ocasião da análise do veto que deve ocorrer até outubro, votaria pela derrubada do mesmo". O que faz crer que, há 357 anos, o presidente estaria ao lado da Inquisição.

Errata: O julgamento de Galileu Galilei foi em 1633 e não em 1663, como publicado originalmente.