Governo Trump trata Brasil como criança ao dizer de quem devemos comprar
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O alinhamento automático do governo Jair Bolsonaro à gestão Donald Trump é tão escrachado que o secretário de Estado norte-americano sente-se à vontade de dizer de quem devemos comprar.
Mike Pompeo afirmou, nesta segunda (19), em um evento sobre cooperação bilateral, que ambos países precisam reduzir a dependência de importações da China, encontrando maneiras de aumentar o comércio entre eles, o que reduziria riscos. "Cada um de nossos dois povos ficará mais seguro, e cada uma de nossas duas nações será muito mais próspera, seja daqui a dois, cinco ou dez anos", disse.
Bolsonaro não disse que toparia dar as costas à China, nosso maior parceiro comercial, apesar de ter afirmado no mesmo evento que as relações entre Brasil e EUA nunca estiveram melhores.
A questão é: melhores para quem.
Entre a China e os Estados Unidos, o Brasil deveria preferir a independência que marcou sua política externa ao longo do século 20, sem abandonar o direito de criticar as graves violações de direitos humanos provocadas tanto por Pequim quanto por Washington.
Mas, desde que Bolsonaro e o chanceler Ernesto Araújo assumiram, o lema do Itamaraty tem sido "America First".
Essa é a segunda vez em um mês em que Pompeo se envolve em um episódio no qual a soberania brasileira é posta em xeque.
Um encontro com Araújo, no dia 18 de setembro, em Boa Vista, em Roraima, serviu de plataforma para críticas à Venezuela - o que levou a oposição no Senado Federal a convocar o chanceler por ajudar a criar um factoide para ser usado na campanha de Trump à reeleição.
Randolfe Rodrigues (Rede-AP) afirmou à coluna, durante o depoimento, que o caso marcava "o triste fim da nossa política de relações exteriores". Humberto Costa (PT-PE), por sua vez, disse que o objetivo da vinda do secretário de Estado foi de fazer uma provocação, usando a questão dos direitos humanos na Venezuela para uma ação eleitoral. Telmário Mota (Pros-RR) reclamou, na audiência, que o ministro deveria proteger os interesses do Brasil, não dos EUA.
Como já disse aqui, Jair Bolsonaro adora bradar que falta patriotismo à sociedade civil brasileira, usando teorias da conspiração sobre entreguismo n Amazônia. Mas seu governo é que dá sinais de colocar os interesses estrangeiros em primeiro lugar.
Por exemplo, renovou a cota de etanol dos Estados Unidos que pode entrar no Brasil sem pagar imposto de importação - um mar de 62,5 milhões de litros por mês. Acima disso, o valor é a tarifa comum do Mercosul, 20%. A cota havia expirado em agosto. O Ministério da Agricultura foi contra; os produtores brasileiros chiaram.
Em outras palavras: para ajudar Donald Trump, que busca votos nos estados produtores de milho (matéria-prima do etanol por lá), Bolsonaro dificultou a vidas dos produtores brasileiros, que estão com estoques para gastar devido à redução no consumo na pandemia.
E isso logo depois dos Estados Unidos terem reduzido a cota de aço semiacabado que o Brasil pode vender a eles sem tarifas - o total caiu de 350 mil para 60 mil toneladas para o quatro trimestre do ano. O motivo também foi pressão da indústria dos EUA sobre Trump, candidato à reeleição, por causa da queda de demanda devido à pandemia.
É a diplomacia do paga-lanche.
A questão não é o livre comércio de etanol ou de aço, mas como tudo soa como subserviência. Bolsonaro teme que Trump saia do poder, o que fragilizaria a sua posição. E, por conta disso, aceita fazer o que for necessário. Inclusive agir bichinho de estimação do norte-americano, passando por cima dos interesses dos brasileiros.
E há mais uma no forno: o Brasil dá sinais de que pretender excluir ou limitar a participação da chinesa Huawei na escolha do sistema de 5G, colocando seu alinhamento automático com os EUA acima do livre mercado.
Enquanto isso, bolsonaristas bombam a teoria da conspiração de que a vacina chinesa contra o coronavírus pretende injetar nanochips na população de forma a monitorar e controlar as pessoas através do 5G da Huawei. Bolando tudo isso, temos bilionários globalistas, intelectuais pedófilos, cavaleiros templários e os Illuminati.
Aquela continência que Bolsonaro prestou à bandeira norte-americana em maio do ano passado, no final das contas, não era folclore, mas prenúncio.