Topo

Leonardo Sakamoto

Governo não tem plano para emprego, mas sabe xingar de "Nhonho" e "boiola"

Live da semana Presidente Jair Bolsonaro, 29/10/2020                              - Jair Bolsonaro/Facebook
Live da semana Presidente Jair Bolsonaro, 29/10/2020 Imagem: Jair Bolsonaro/Facebook

Colunista do UOL

30/10/2020 13h17

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

O desemprego no trimestre terminado em agosto foi o mais alto desde que o IBGE começou a atual série histórica, em 2012, chegando a 14,4% ou 13,8 milhões de pessoas. A quantidade de empregados com carteira assinada é também a menor dos últimos oito anos, atingindo 29,1 milhões - dois milhões a menos que o trimestre anterior. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) Contínua, divulgada nesta sexta (30).

Enquanto isso, o presidente da República gasta tempo com homofobia, chamando maranhenses de "boiolas" por causa de um refrigerante cor de rosa; joga com a saúde da população, aprofundando a guerra com o governador João Doria contra a vacina desenvolvida na China; ataca candidatos de oposição ao seu governo em lives nas redes sociais pensando em sua reeleição em 2022.

Com o relaxamento das quarentenas, a população saiu em busca de emprego, o que aumentou o índice de desocupação, uma vez que ele é calculado com base em quem procurou serviço. Ao mesmo tempo, a redução no auxílio emergencial de R$ 600 para R$ 300, valor insuficiente para garantir a alimentação de uma família em muitas cidades, de acordo com o levantamento periódico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), empurra as pessoas de volta às ruas. Ainda mais agora, com uma inflação galopante que afeta os pobres.

Nesse contexto, Jair Bolsonaro (sem partido) deveria estar gastando todas as energias para buscar formas de impulsionar a geração de postos de trabalho, promovendo diálogos entre o setor produtivo, trabalhadores e a sociedade civil. E garantindo, ao mesmo tempo, a manutenção, no ano que vem, dos benefícios sociais e econômicos que o auxílio trouxe na forma de um programa de renda básica que não retire dos pobres para dar aos paupérrimos.

Ao invés de diálogo intenso com o Congresso Nacional, o que temos ouvido é seu ruidoso silêncio quando seu ministro das Queimadas e do Desmatamento infantilizou o presidente da Câmara dos Deputados, chamando-o de "Nhonho", logo após ter chamado o ministro responsável pela articulação com parlamentares de "maria fofoca".

A verdade é que Jair não tem, como nunca teve, ideia do que fazer na economia. Adotando uma concepção precária de seleção natural, ele promove um UFC entre seus ministros para ver quem ganha. Os ataques do ministro da Economia, Paulo Guedes, contra seu colega do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, são mostra disso. E, em meio à zorra, o Brasil perde.

Seu governo não tem projeto para criar postos de trabalho, apenas um apanhado de balões de ensaio que vão sendo lançados ao vento para ver se algum sobrevive à realidade. No máximo, há uma tentativa de repetir um receituário manjado de redução de proteções trabalhistas em nome de um crescimento que sempre depende da reforma seguinte. Tipo, fiado só amanhã.

Enquanto isso, ele vai agindo como animador de rodeio, fortalecendo a relação com seus fãs, tentando manter viva a visão distópica de extrema direita que defendeu por anos. Em troca, quer manter a fidelidade daqueles 12% a 16% do bolsonarismo-raiz para que defendam seu governo a qualquer custo.

Pressionado a apresentar propostas para a geração de postos de trabalho formais no ano passado, o presidente respondeu que quem cria emprego é a iniciativa privada e sua função deve ser "não atrapalhar", desviando-se da responsabilidade. Disse que tem "pena", mas que não pode fazer "milagre".

O pior nem é a tentativa de terceirizar a responsabilidade, mas a hipocrisia, pois o seu comportamento e de seu governo é um estorvo para a retomada do crescimento.

Tivemos uma quarentena absurdamente prolongada porque o próprio Bolsonaro agiu para que as pessoas fossem às ruas quando elas deviam ficar em casa. Apesar de bradar que estava lutando para evitar desemprego, fazia exatamente o contrário. Poderíamos ter tido um lockdown de três meses e depois reabertura. Mas o presidente garantiu que nos arrastássemos por sete meses e chegássemos a 160 mil mortos.

Talvez esteja esperando que o Congresso lhe entregue soluções que possa chamar de suas, como fez com o auxílio emergencial. Vale lembrar sempre que ele deve aos parlamentares o aumento de sua popularidade, pois se dependesse do ministro Paulo Guedes, o auxílio emergencial teria sido de R$ 200.

Bolsonaro teria mais liberdade para sua pauta medieval de costumes e comportamentos se conseguisse reduzir significativamente o desemprego. Afinal, a parte da população que votou por mudanças (e não por fiscalizar o sexo alheio, nem armar as pessoas, muito menos celebrar o trabalho infantil) engoliria isso, de forma pragmática, desde que o Estado garantisse segurança econômica.

Optou, contudo, por manter o país em Estado de campanha eleitoral constante, fazendo com que a principal meta do governo não seja emprego, saúde, educação, combate à corrupção, segurança pública, seguridade social, mas sua reeleição. Se a campanha presidencial, em 2018, foi a mais curta da história recente, durando 45 dias, a de 2022 será a mais longa, e vai durar quase quatro anos.

Diante da repercussão negativa e do anúncio de um processo por parte do governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B), Bolsonaro disse que seu rompante homofóbico foi uma piada. "Se alguém se ofendeu, me desculpa, eu fiz uma brincadeira com a cor do guaraná Jesus, que é cor-de-rosa." A emenda é tão ruim quando o soneto.

É isso o que ele tem feito desde Primeiro de Janeiro de 2019: brincar. E nós somos o seu brinquedo.