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Leonardo Sakamoto

Ocupando um latifúndio de tempo de TV, Boulos reduz diferença para Covas

Colunista do UOL

24/11/2020 10h01

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A pesquisa Datafolha, divulgada nesta terça (24), é um banho de água fria para quem, em 2018, decretou a morte da relevância da TV e do rádio nas campanhas eleitorais. Com tempo igual para ambos os candidatos à Prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL) reduziu a diferença para Bruno Covas (PSDB) após o reinício da propaganda.

Enquanto o tucano se manteve com 48% das intenções de votos totais, o psolista passou de 35% para 40% em menos de uma semana. Nos votos válidos (excluindo brancos e nulos), Covas tem 55% e Boulos, 45%. Margem de erro é de três pontos.

O prefeito já tinha crescido e consolidado seu voto com o latifúndio de tempo que a coligação ampla lhe proporcionou no primeiro turno. Agora, o coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), que contava com uma campanha forte nas redes, aproveita os dois programas de cinco minutos (antes eram de 17 segundos) e os debates e sabatinas na TV para se fazer conhecido. Com isso, cresceu em cima de indecisos, além de brancos e nulos.

Não que a internet tenha saído do foco - apenas a partida do jogo on-line Among Us que Boulos disputou com o youtuber Felipe Neto teve mais de 500 mil visualizações. Mas o rádio e a televisão o apresentam a outros grupos, menos conectados e populosos, principalmente na periferia.

A propaganda que mais repercutiu na TV, aliás, foi uma sequência de declarações de Ciro Gomes (PDT), Flávio Dino (PC do B), Lula (PT) e Marina Silva (Rede), passando a ideia de que a campanha de Boulos uniu pensamentos divergentes. O que levou muita gente de centro-esquerda e esquerda a sonhar com uma frente para contrapor Bolsonaro e o grupo de centro-direita e direita que vem sendo construído para 2022.

Máquina de guerra bolsonarista ficou órfã

Ao mesmo tempo, a máquina de guerra bolsonarista, que entrou pesada com a distribuição de ódio e desinformação na reta final do primeiro turno, ficou órfã de um candidato para chamar de seu em São Paulo. Pior: agora, vê de um lado um aliado do governador João Doria, potencial adversário de Jair Bolsonaro (sem partido), em 2022 e, do outro, alguém de esquerda.

Apesar de Boulos e Covas não pegarem leve um com outro em debates, o tom de cordialidade e respeito é algo que não se via em São Paulo há muito tempo. Pelo menos, até agora.

Não é possível dizer que isso é um indicador que campanhas do ódio estão enterradas, basta olhar ao lado e ver o que acontece, por exemplo, no Rio de Janeiro,com o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) criando histórias de pedofilia sobre aliados de seu adversário, Eduardo Paes (DEM), tal como fez Bolsonaro em 2018.

Mas a rejeição do presidente na casa dos 50% mostra que os paulistanos podem estar cansados tanto da insuficiência de políticas públicas do governo federal (lembrando que o alto custo de vida reduz o impacto do auxilio emergencial por aqui), mas também do tempo que perde com suas táticas de guerra. Há uma falta de esperança crescente, que atinge as classes C e D. Vale lembrar que Bolsonarto já havia perdido parte significativa da classe média alta ao adotar um terraplanismo biológico durante a pandemia.

O ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), mesmo com o maior tempo de TV entre todas as candidaturas, não decolou em 2018. As redes sociais fizeram a diferença e catapultaram Jair Bolsonaro. Naquele momento, contudo, o contexto de ultrapolarizacão favorecia esse quadro. Ela deve voltar em 2022, mas não se sabe qual força terá.

Adiamento da eleição pode ter prejudicado Covas

O prefeito Bruno Covas reafirmou, no programa Roda Viva, desta segunda (23), que não há uma segunda onda de covid atingindo o município de São Paulo. Independente ao nome que se dê ao aumento na ocupação de UTIs em hospitais públicos e privados por conta da doença, o fato é que o adiamento das eleições por causa da pandemia pode ter prejudicado o tucano.

Agora, ele passa parte do tempo em entrevistas, sabatinas e debates tendo que responder sobre o aumento no coronavírus. E atestando que é falso que, após a eleição, haverá um endurecimento na quarentena. Se fosse no mês passado, seguindo o planejamento eleitoral pré-covid, estaria falando de queda.

Como esta coluna já havia ressaltado no dia da votação do primeiro turno, a abstenção foi e poderá voltar a ser um fato determinante. No sábado (14), o Ibope previa que Bruno Covas teria 38% dos votos válidos e o Datafolha, 37%. E que Boulos ficaria com 16% e 17%, respectivamente. Quando as urnas se abriram no dia seguinte, Covas teve 32,8% dos votos válidos, enquanto Boulos, 20,2%.

A abstenção, no primeiro turno da eleição deste ano, foi de 29,3%, em São Paulo, frente a 21,84%, em 2016.

O peso dos eleitores idosos, grupo de risco para covid, no total de intenções de Covas é muito maior que o de Boulos - que vence junto aos mais jovens. Ao mesmo tempo, eleitores mais engajados politicamente podem fazer a diferença, sendo empurrados para as urnas - o que pode favorecer o psolista.

A questão é se, com o estreitamento das diferenças entre ambos, o tom de civilidade continuará ou veremos um endurecimento dos ataques.

Covas deve investir em afirmar que São Paulo quer paz e tranquilidade, colando a pecha de "radical" em Boulos - que, por sua vez, deve insistir nos problemas com creches de torno de Ricardo Nunes (MDB), candidato a vice na chapa do adversário, além de forçar o prefeito a falar da situação da pandemia.

Nesse cenário, Bruno Covas pode ter que adotar uma tática eleitoral comum nos Estados Unidos, onde o voto não é obrigatório, que é convencer seus eleitores a saírem de casa para votar. O receio de uma vitória de Guilherme Boulos pode ajudar junto ao público mais à direita, mas o medo da pandemia, por outro lado, pode ser o real banho de água fria para alguns nesta eleição.