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Leonardo Sakamoto

Ainda sem vacina, Doria aposta com saúde de brasileiros como Bolsonaro

Bolsonaro contradiz Doria e afirma que vacina da covid não será obrigatória -
Bolsonaro contradiz Doria e afirma que vacina da covid não será obrigatória

Colunista do UOL

07/12/2020 17h53

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Uma coisa é o governo do Estado de São Paulo ter organizado um plano de vacinação - o que demonstra respeito com a população. Outra coisa é divulgar o calendário de imunização sem que os resultados da última fase de testes da vacina tenham sido divulgados - o que demonstra falta de responsabilidade com a saúde dos paulistas.

Pelo cronograma, começarão a receber a vacina, no dia 25 de janeiro (aniversário da capital paulista), profissionais de saúde, indígenas e quilombolas e pessoas com mais de 60 anos. A questão é que ainda não existe uma vacina.

Não sabemos nem a eficácia da Coronavac, que está sendo desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac e será produzida pelo Instituto Butantan. Se for mais ou menos efetiva, o calendário pode ter que se alterado. E aí reside o problema.

Vendo a vacina no horizonte, muita gente começou a se descuidar. Em outras palavras, já estão contando com um omelete feito com o ovo que está dentro da galinha.

Ao estabelecer um cronograma de vacinação, o governador João Doria (PSDB) pressiona a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) - que está sob controle de seu arqui-inimigo, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) - e é responsável por aprovar aplicações em massa. Ambos travam a Guerra das Vacinas, cujo espólio será uma vantagem política sobre o adversário nas eleições presidenciais de 2022.

"Triste o Brasil, que tem um presidente que não tem compaixão pelos brasileiros. Que abandonou o Brasil e os brasileiros", cutucou Doria, nesta segunda (7), ao anunciar o cronograma. O fato dele estar certo no que diz sobre Bolsonaro não significa que ele próprio não esteja, agora, apostando com a saúde dos outros.

Pois, ao prometer algo que está além do seu controle, o governo estadual aumenta o risco sanitário de forma desnecessária.

Bolsonaristas estão organizando protestos contra Doria por conta do endurecimento da quarentena por parte do governo do Estado, que afetará o Natal e o Ano Novo. Endurecimento que poderia ter vindo antes e aliviado as festas de final de ano, uma vez que a pandemia estava escalando em novembro. Mas foi adotado, coincidentemente, apenas um dia após a reeleição de seu aliado, o prefeito Bruno Covas.

A divulgação do cronograma pode funcionar como uma "vacina" para a imagem de Doria. Mas também pode fazer com que o descuido no fim de dezembro seja maior.

O governo federal, que deve usar o imunizante desenvolvido pela Universidade de Oxford em parceria com o laboratório AstraZeneca, marcou seu cronograma de aplicação para começar em março. O produto, que deve ser fabricado pela Fiocruz, também está com cronograma atrasado devido a problemas nos testes. E também não foi aprovado pela Anvisa.

Seria mais sensato ter esperado o resultado da Coronavac. Mas, na disputa entre ambos, sensatez é matéria-prima em falta.

Pode dar tudo certo e o cronograma ser adotado? Claro que pode. Mas é um chute do governador, que poderia ter esperado mais uma semana para não gerar expectativas e criar planos. Tenho dois pais idosos em casa, isolados desde março, esperando a vacina - sei o que são expectativas e planos. Vidas não são assunto para chute.

Tudo indica que a disputa entre Bolsonaro e Doria tem potencial para gerar o caos no processo de imunização. Daí, se isso acontecer, não adianta dizer que foi o outro que começou a briga.