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Leonardo Sakamoto

Com praias lotadas, prefeito vê covid-19 sob controle em São Sebastião (SP)

Praia de Maresias, em São Sebastião (SP), no dia do segundo turno das eleições para prefeito - Bruno Santos/Folhapress
Praia de Maresias, em São Sebastião (SP), no dia do segundo turno das eleições para prefeito Imagem: Bruno Santos/Folhapress

Colunista do UOL

30/12/2020 04h02

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Resumo da notícia

  • Prefeitura publicou em rede social comentário sobre situação de sobrecarga no atendimento geral de saúde
  • Município tem mais de 100 km de orla, com praias procuradas por turistas no litoral norte de São Paulo
  • Prefeito destaca kit com hidroxicloroquina distribuído na rede pública e diz que Doria deveria fechar estradas
  • Governo do estado classifica argumento como "incoerente" e aponta alta de 91% em casos de covid-19 no município

Profissionais de saúde estão preocupados com uma "bomba-relógio" no sistema de atendimento em São Sebastião (SP) após a decisão do município de manter abertos bares, restaurantes e o comércio não-essencial durante o Natal e o Ano Novo, contrariando o governo estadual. Temem que ela pode explodir em janeiro, no colo da população local. Apesar das praias lotadas, o prefeito Felipe Augusto (PSDB) afirmou ao UOL que tudo está sob controle.

E criticou o governo de seu correligionário João Doria, dizendo que, se quisesse conter o avanço da pandemia, ele deveria ter fechado as estradas e não as cidades litorâneas. Em resposta, o governo paulista disse que esse é "um posicionamento contrário à ciência, que coloca em risco a prioridade à saúde".

São Sebastião, que conta com praias badaladas como Maresias e Camburi, é um dos 20 municípios que se negaram a seguir a orientação do governo paulista de retroceder suas atividades econômicas para a fase vermelha do plano de reabertura entre os dias 25 e 27 de dezembro e 1º e 3 de janeiro - o objetivo era conter a segunda onda de transmissão do coronavírus. Permaneceu na fase amarela, menos restritiva.

Com isso, o Palácio dos Bandeirantes notificou as cidades que ignoraram a decisão de Doria no Natal.

A coluna conversou com profissionais de saúde do município que pediram para não serem identificados. Afirmam que o atendimento em São Sebastião já estava pressionado pela quantidade de turistas que, durante a pandemia, resolveram passar a temporada por lá, fazendo a população subir de 90 mil para 150 mil. Agora, com a chegada do verão, esse número pode duplicar ou triplicar, o que deve ter impacto direto na saúde dos residentes fixos.

Protocolo de atendimento com hidroxicloroquina e azitromicina

Um exemplo é a informação divulgada pela própria Prefeitura, em sua página no Facebook, de que, neste final de semana, houve uma sobrecarga no sistema de saúde devido à demanda por atendimentos de urgência e emergência. Somente no Hospital de Clínicas da Costa Sul, em Boiçucanga, a procura foi 270% maior que a média.

O prefeito Felipe Augusto defende que a sobrecarga de atendimento não foi causada por casos de síndrome respiratória (em que a covid está incluída) e que o pico ocorreu por conta de atendimento a turistas. Atesta que apenas 12% dos leitos de UTI para covid estão ocupados no momento.

"Nosso número de alerta é 70%. Temos um tratamento precoce que tem dado certo, que inclui um protocolo com hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina e outros antibióticos."

"E temos casos de quarentena domiciliar, que não demanda necessidade de hospital", afirma.

Natália Pasternak, doutora em microbiologia e diretora do Instituto Questão de Ciência, ressalta à coluna que não existe medicamentos com eficácia comprovada tanto para a profilaxia quanto para o tratamento da covid-19.

"O chamado 'kit covid' vem sendo distribuído em vários municípios em todo o Brasil e varia em sua composição, mas conta, normalmente, com azitromicina, ivermectina e hidroxicloroquina. Ele pode gerar a ilusão de segurança na população, que acredita que está sendo devidamente tratada ou protegida e, com isso, acaba se expondo", explica.

Mais infartos, afogamentos, acidentes de carro e covid

O prefeito afirmou que o município atendia, em média, 450 a 500 pacientes com síndrome respiratória por dia em agosto, mas o número caiu para 60 a 70 casos/dia hoje.

E, segundo ele, os turistas, quando percebem que estão doentes, voltam para a sua cidade de origem, o que reduziria o impacto no sistema de atendimento local.

"Turistas vão embora. Mas nos casos graves, eles são removidos através de ambulâncias, o que acaba sobrecarregando da mesma forma o Samu [Serviço de Atendimento Médico de Urgência]", explicou à coluna um profissional de saúde.

O serviço atende não apenas emergências relacionadas à covid, mas também outras doenças (como problemas cardiovasculares) e acidentes (afogamentos, quedas, colisões de veículos) - que se tornam mais comuns no verão.

Isso é corroborado por Natália Pasternak.

"Não sabemos se a estrutura de saúde dessas cidades litorâneas vai dar conta. Até porque, com o aumento do fluxo de pessoas, também cresce a quantidade de outras doenças e de acidentes", diz.

Ou seja, outras enfermidades e condições que rivalizam recursos com a covid.

Temor que a situação saia do controle em janeiro

O temor dos profissionais de saúde ouvidos pela coluna é que a situação exploda em janeiro, com um aumento repentino no número de casos e internações, como consequência das aglomerações de final de ano.

"Não existe indicativo de subida agressiva. Estamos prontos para tomar medidas restritivas caso seja necessário", garante o prefeito. "Não temos números alarmantes, temos a cidade controlada. No primeiro dia de sintomas, nossos cidadãos recebem tratamento com hidroxicloroquina, e temos números baixos", afirma.

Questionado sobre o risco de uma explosão de casos junto aos residentes fixos após as festas de final de ano, ele garante que "medidas preventivas e profiláticas estão sendo tomadas" e que o comércio está seguindo regras e controlando o acesso dos clientes, garantindo distanciamento social.

"Fizemos barreiras sanitárias, parando mil carros, por dia para checagens. Temos o fechamento de casas noturnas e não haverá queima de fogos", afirmou.

Governo Doria diz que declarações do prefeito são "completamente incoerentes"

Felipe Augusto aproveitou para criticar as decisões tomadas pelo governo do também tucano João Doria.

"A medida que deveria ser adotada não é fechar uma cidade a dois dias antes do feriado, mas o fechamento da rodovia para impedir que a doença seja levada para cidades pequenas ou litorâneas. O governo mandou fechar a ponta", reclama.

Para ele, as orientações que o governo determinou são inexequíveis para uma cidade com 110 quilômetros de orla.

"Nesse momento não tem lógica penalizar comerciantes que passaram o ano tentamos pagar as contas. Nós perdemos mais de R$ 100 milhões em orçamento. Não podemos mais penalizar as cidades tendo em vista que os investimentos pararam para priorizar a saúde publica", diz Felipe Augusto.

O governo do Estado de São Paulo, através da Secretaria de Comunicação, disse à coluna que "as afirmações do prefeito são completamente incoerentes".

"Ao mesmo tempo em que cobra medidas mais restritivas, como fechamento de rodovias (o que seria inconstitucional), ele se nega a seguir as normas do Plano São Paulo [de reabertura econômica] de aumento de restrições."

"Um posicionamento contrário à ciência, que coloca em risco a prioridade à saúde", diz o governo.

Na avaliação do governo estadual, as declarações do prefeito são "estarrecedoras" em um momento em que a situação da pandemia se agrava em São Sebastião. E questiona a situação do município.

"Segundo dados públicos fornecidos diretamente pelos hospitais do município ao Ministério da Saúde e ao Censo Covid do governo do Estado, no mês de dezembro a cidade atingiu patamar de taxa de ocupação UTI Covid semelhante ao que havia atingido em julho e agosto, momento mais grave da pandemia até então", afirma.

"Na comparação dos últimos 30 dias houve um aumento de 91% nos casos de coronavírus em São Sebastião e 17% nas internações (foram 59 internações em novembro e 69 em dezembro), já os óbitos cresceram 50% no mesmo período", diz o governo.

O governo defendeu que é prerrogativa das prefeituras estabelecer restrições mais rígidas do que que as previstas no plano de reabertura, e não mais suaves. "É momento fundamental para unir esforços entre poder público e sociedade, com a responsabilidade dos gestores como fator decisivo para salvar vidas."