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Leonardo Sakamoto

REPORTAGEM

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Tirar dinheiro do SUS para renovar auxílio é inconstitucional, diz jurista

UTI do Hospital Regional do Norte - Tatiana Fortes/Governo do Ceará
UTI do Hospital Regional do Norte Imagem: Tatiana Fortes/Governo do Ceará

Colunista do UOL

22/02/2021 15h55

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"Defender, no meio de uma pandemia, deste tamanho e desta natureza, o desfinanciamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é uma cretinice. E, claro, inconstitucional", afirma Eloísa Machado, professora da FGV Direito-SP e coordenadora do centro de pesquisas Supremo em Pauta.

A jurista criticou duramente que o fim do piso constitucional de gastos em saúde e educação públicas seja um dos preços a pagar pela população em nome da renovação do auxílio emergencial a trabalhadores informais, nesta segunda onda da pandemia de covid-19.

Como o Ministério da Economia do governo Jair Bolsonaro (sem partido) defende que o benefício seja aprovado junto com cortes de gastos e ações de ajuste fiscal, o relator da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Emergencial, senador Márcio Bittar (MDB-AC), previu em seu relatório o fim da exigência de gastos mínimos para saúde e educação pela União, estados e municípios.

A porcentagem do mínimo constitucional de gastos nesses dois setores pelo governo federal foi substituído, em 2018, após a Emenda do Teto de Gastos entrar em vigor, pelo total desembolsado no ano anterior corrigido pela inflação. Já Estados e municípios precisam aplicar 25%, em educação, e 12% e 15%, em saúde, respectivamente.

De acordo com Machado, a desvinculação total de receitas para financiamento da saúde e da educação pode ser compreendida como uma medida inconstitucional, pois viola a garantia desses direitos. "A vinculação do financiamento de saúde e a educação é tida como uma garantia associada a esses direitos e, portanto, em termos constitucionais, uma cláusula pétrea, que não pode ser alterada", afirma.

"Mesmo que uma emenda constitucional suspenda ou revogue esses dispositivos, ela deverá ser considerada inconstitucional por esvaziar a garantia associada aos direitos à saúde e à educação." Ou seja, caso aprovada no Congresso, a PEC será questionada no Supremo Tribunal Federal.

Os defensores da proposta afirmam que presidentes, governadores e prefeitos, e, junto com eles, Câmaras de Vereadores, Assembleias Legislativas e o Congresso Nacional, devem ter o direito de decidir onde gastar os recursos públicos. Os críticos dizem, por outro lado, que isso levará políticos a trocarem investimentos na melhoria da qualidade da saúde e da educação, que nem sempre são visíveis ou trazem voto, por asfalto, por exemplo.

Para Eloísa Machado, é "uma completa falta de noção" buscar a aprovação dessa medida no momento em que o país está para registrar 250 mil mortos por covid. "O Brasil se encontra, na maior crise sanitária que já teve registro, na qual as políticas sociais são as principais responsáveis por diminuir minimamente o abismo de desigualdade."

'A base do governo está fazendo uma chantagem nesfasta', diz senador

A avaliacão da jurista encontra eco junto ao líder da minoria no Senado, Jean Paul Prates (PT-RN). "O que a base do governo está fazendo é uma chantagem nefasta. A PEC deveria apenas viabilizar a prorrogação do estado de calamidade, do auxílio emergencial e de outras despesas como do SUS, mas virou um pacote de maldades que não podemos tolerar", afirmou à coluna.

"Estamos em plena pandemia e precisamos destinar recursos para a compra de vacinas e para o enfrentamento da covid-19. Não estamos perdendo números, estamos perdendo milhares de vidas, e esse cenário pode se tornar ainda mais caótico do que é hoje", disse Prates.

O texto de Bittar, que pode ser sofrer alterações, será analisado, esta semana, pelo Senado.

O aumento da destinação de recursos públicos em áreas como saúde ocorreu acima da inflação nas últimas décadas até a Emenda do Teto dos Gastos em parte para responder às demandas sociais presentes na Constituição de 1988 e, consequentemente, tentar reduzir o abismo social do país.

Pesquisa Datafolha, divulgada em 26 de dezembro do ano passado, aponta que os brasileiros consideravam a saúde o principal problema do país, com 27%. Em junho, o índice era de 19%. Desemprego (19%) e crise econômica (8%) vinham na sequência. O governo federal vem sendo criticado pela falta de respiradores, de leitos hospitalares, de testes para covid-19, de oxigênio e de vacinas na pandemia.