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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Para liberar o auxílio, Congresso pode dar um golpe no SUS e no Fundeb

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Imagem: Shutterstock

Colunista do UOL

23/02/2021 02h40

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Pelo ritmo da tragédia, é bem provável que o Brasil ultrapasse as 250 mil mortes por covid-19 nesta quinta (25). No mesmo dia, o Senado deve votar a PEC Emergencial, que traz o fim da exigência de gastos mínimos do poder público em saúde e educação. Nada mais justo. Vamos celebrar uma aberração com outra.

Considerando que a pandemia contaminou milhões e prejudicou a educação de outros milhões, a imensa massa de trabalhadores pobres mais do que nunca precisa de serviços públicos de qualidade. Mas a proposta à mesa é, na prática, tirar do SUS (Sistema Único de Saúde) e do recém-renovado Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) para aprovar auxílio. Não tem outro termo, é sacanagem mesmo.

O fim do piso é visto como uma das "condicionantes" para a renovação do auxílio emergencial. Em outras palavras, é como se o Estado tivesse sequestrado a dignidade dos brasileiros mais pobres prometendo libertá-la mediante a ativação de uma bomba-relógio. Tic-tac.

O governo Bolsonaro e sua base no Congresso dizem que não existem condicionantes, apenas um sinal de que o país é responsável com as contas públicas. Ah, vá! Depois da mão peluda de Jair Messias na Petrobras? A população brasileira não tem "mercado financeiro" tatuado na testa para tamanho nível de engana-que-eu-gosto.

O relator da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Emergencial, senador Márcio Bittar (MDB-AC), previu o fim do piso constitucional de gastos em saúde e educação para União, estados e municípios. Ou seja, se for aprovado, presidentes, governadores, prefeitos, vereadores, deputados estaduais, federais e distritais e senadores passariam a decidir o montante para essas áreas.

Citando o filósofo Fabrício Queiroz, isso é "uma pica do tamanho de um cometa" sendo jogada no colo da população. Serviços públicos de saúde e educação funcionam, mesmo com todos os problemas, porque há a obrigação do mínimo legal. Como nem sempre investimentos nessas áreas chamam a atenção em ano eleitoral, a chance de lápis e esparadrapo virarem asfalto é grande.

A porcentagem do mínimo constitucional de gastos nesses dois setores pelo governo federal foi substituída, em 2018, após a Emenda do Teto de Gastos entrar em vigor, pelo total desembolsado no ano anterior corrigido pela inflação. Já Estados e municípios precisam aplicar 25%, em educação, e 12% e 15%, em saúde, respectivamente. Seguindo o roteiro do governo, vai tudo pro vinagre.

Muito antes do ministro Paulo Guedes dizer que empregadas domésticas estavam viajando demais para a Disney, reclamar que rico poupa enquanto pobre gasta tudo e alertar que ninguém se assustasse com um novo AI-5 se rolassem manifestações contra o governo, ele já defendia a desvinculação das receitas da saúde e da educação no início de 2019.

Agora, o governo e sua base têm a oportunidade de surfar sobre o desespero e a fome, que se instalaram com desemprego e o atraso no retorno do auxílio, para aprovar sua desejada agenda. O que é algo ética e esteticamente muito feio, mesmo para os novos padrões da Era Bolsonaro.

Em meio a isso, há parlamentares responsáveis se organizando no Congresso e entidades da sociedade civil se mobilizando para tentar impedir que essa tragédia aproveite a tragédia.

Se isso passar, o presidente e seus aliados serão responsáveis por aquilo que ele disse que não faria: tirar de pobres para dar a paupérrimos.

Só que pior: vai tirar muito de pobres e paupérrimos para devolver um tiquinho na forma de um auxílio emergencial mirrado e, ainda por cima, cantar de galo como "pai dos necessitados", à espera de se vestir com glória nas eleições de 2022. Antes da bomba explodir.