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Leonardo Sakamoto

REPORTAGEM

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Líder evangélico critica culto e missa presenciais em meio à alta de mortes

UTI do Hospital Regional do Norte - Tatiana Fortes/Governo do Ceará
UTI do Hospital Regional do Norte Imagem: Tatiana Fortes/Governo do Ceará

Colunista do UOL

07/03/2021 11h03

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Parte das igrejas quer permanecer com atividades presenciais, mesmo em meio aos recordes de mortes por covid-19, para mostrar que a teologia que venderam antes da pandemia não é uma ilusão e, portanto, quem vier a seus cultos estará seguro e não tem com o que se preocupar. Com isso, coloca pessoas em risco.

A avaliação é do pastor Ricardo Gondim, presidente da Igreja Betesda, considerado referência entre os teólogos evangélicos. O templo de sua denominação religiosa, com capacidade para 2,3 mil pessoas, na Zona Sul de São Paulo, realizou o último culto presencial no dia 8 de março de 2020. Desde então, as atividades têm sido on-line, com exceção daquelas voltadas à assistência social, como a distribuição de alimentos e de cestas básicas aos atingidos pela pandemia.

A coluna, que havia conversado com ele há um ano, voltou para ouvi-lo sobre o funcionamento de cultos e missas presenciais neste momento.

"Há igrejas que prometeram, por muito tempo, que os seus membros iam ser protegidos, que há uma benção especial de Deus para os crentes, que aquele que serve a Deus tem uma certa 'imunidade' na vida, que Deus é salvamento, libertação e grande milagres. Diante de uma pandemia como essa, admitir que as pessoas estão vulneráveis e podem morrer seria negar todo o discurso de vários anos."

Segundo ele, para manter a lógica que pregavam antes da pandemia, essas igrejas precisam continuar prometendo um grande milagre e uma grande benção. Mesmo que as pessoas estejam em risco.

Não há consenso entre líderes religiosos sobre o decreto do governador João Doria (PSDB), que considerou como essenciais as atividades religiosas, liberando o funcionamento de templos e igrejas no Estado de São Paulo, respeitados os cuidados sanitários, mesmo durante essa fase de restrições.

O Brasil registrou, apenas nos últimos sete dias, 10 mil mortos por covid-19 e hospitais públicos e privados estão à beira de um colapso. Em centros de ponta da capital paulista, como o Sírio-Libanês e o Albert Einstein, não há mais leitos UTI para covid.

"Estamos diante do mesmo dilema da peste bubônica na Europa da Idade Média. Acreditava-se que os mosteiros eram santuários de proteção, mas eles se tornaram vetores de transmissão da peste, com padres e monges expostos à praga. Agora, a história se repete", diz Gondim.

Uma cena transmitida pelo Profissão Repórter, da TV Globo, caracteriza as consequências disso. Uma mulher idosa foi convidada a usar máscara por uma profissional de saúde e respondeu que não precisava porque sua máscara era Deus.

Parte das igrejas também vive momento de estresse financeiro

Ricardo Gondim reconhece que a manutenção da igreja sem cultos presenciais é um grande estresse, inclusive para eles. Esta é, segundo ele, a outra razão que leva a parte dos templos e igrejas a permanecerem abertos.

"Manter uma igreja num contexto urbano é caro, há o custo de manutenção dos pastores e dos funcionários. E não estou falando das megaigrejas, dos megaempreendimentos religiosos, que têm um estofo, uma garantia e querem manter a roda girando. Estou falando das pequenas igrejas", explica.

Em conversa com a coluna no fim das atividades presenciais da Betesda, há um ano, ele afirmou que eles não estavam dispostos a sacrificar os ensinamentos de Deus e a saúde dos próprios fiéis em nome de preservar a igreja da insolvência financeira.

"Na Betesda, sempre tivemos um discurso de que a vida é mais importante do que doutrina. E chegamos num ponto de colocarmos à prova aquilo que sempre falamos, da centralidade da vida e da relativização de ritos, doutrinas, dogmas e tudo aquilo que mantem o exercício religioso", conclui Ricardo Gondim. "Pagando o preço de ser coerente e leal ao discurso."

Enquanto os grandes templos contam com pé direito alto, grandes janelas e espaço suficiente para distanciamento social, a maioria dos locais de culto nas periferias são pequenos, fechados e com potencial de se tornarem covidários.

A participação em encontros religiosos é uma maneira de pessoas encontrarem algum conforto e reduzir o sofrimento em meio à prolongada pandemia. Contudo, no momento em que o Estado retrocede à fase vermelha e as internações atingem níveis alarmantes, a decisão de Doria levou à insatisfação do Centro de Contingência do Coronavírus, que assessora Doria.

Em entrevista ao UOL, o próprio coordenador-executivo do centro, João Gabbardo, deixou transparecer isso ao afirmar que "o ideal é que, se possível, as pessoas façam suas orações em casa".

Liberação das atividades religiosas insere-se na disputa com Bolsonaro

O decreto que considera como essenciais as atividades religiosas no Estado de São Paulo veio em um momento em que pesquisas apontam que o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), consolida o apoio de parte das denominações evangélicas como um dos pilares de seu mandato.

Instituições religiosas de qualquer natureza já haviam sido autorizadas a operar na pandemia pelo governo federal por terem sido enquadradas como atividade essencial, de acordo com o decreto presidencial 10.282, de 20 de março do ano passado.

Mas como Estados e municípios também têm competência para decidir sobre o que abre e o que não em quarentenas, a autorização dependia também deles.

No dia 26 de março de 2020, em uma situação sanitária muito melhor do que a atual, Doria adotava outro discurso. "Faço aqui um apelo como cidadão, como brasileiro e também como governador de São Paulo, para que os dirigentes de igrejas e que compreendem a dimensão da gravidade que temos sobretudo aqui no Estado de São Paulo e possam fazer seus cultos e encontros virtualmente", afirmou em uma coletiva.

Quase um ano depois, ao assinar o decreto, no dia 1º de março, o governador afirmou ao lado de líderes religiosos: "Esperança, fé e oração, com vacinas, vamos vencer a covid. Viva a vida".