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Leonardo Sakamoto

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Com desemprego em alta, Bolsonaro tortura número do IBGE para afastar culpa

Adriano Machado/Reuters
Imagem: Adriano Machado/Reuters

Colunista do UOL

09/04/2021 13h15

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Diante de um desemprego recorde, Jair Bolsonaro resolveu atacar novamente não as suas causas, mas o IBGE, que informa o tamanho do problema. É como se um médico, diante de uma febre, blasfemasse contra o termômetro ao invés de ministrar o remédio correto.

Neste caso, há uma dose maior de cinismo, pois o médico deixou que o quadro do paciente chegasse a um estado crítico com sua omissão e negligência.

"Estamos criando empregos formais, e bastante, mês a mês, mas tem aumentado o desemprego por causa dessa metodologia do IBGE, que atendia ao governo da época. Esse tipo de metodologia, no meu entender é o tipo errado. Vou sofrer críticas do IBGE, mas eles podem mudar a metodologia", afirmou, em entrevista à CNN, nesta quinta (8).

Para Bolsonaro, a metodologia do IBGE, que segue padrões internacionais, é errada porque não favorece o seu discurso. E, portanto, precisa ser mudada. Tal como acusou o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) de mentir sobre o desmatamento na Amazônia porque as imagens de satélite não corroboravam as mentiras que ele contava.

Governos autoritários, quando colocados contra a parede, reduzem a transparência de informações às quais a sociedade tem acesso a fim de adaptar a realidade à sua narrativa. Como a realidade não entrega a redução do desemprego no ritmo que Bolsonaro espera, ele demonstra a vontade de torturar os números até que gritem o que ele precisa ouvir.

O presidente reclama que é impossível o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério da Economia estar publicizando saldos positivos de contratações e o desemprego estar crescendo. Sua reclamação não procede.

A taxa de desocupação depende de uma série de variáveis. Por exemplo, a quantidade de pessoas que já estavam procurando emprego sem sucesso. Mas também o montante que estava fora da força de trabalho e volta a procurar emprego ou inicia agora a busca pelo primeiro emprego.

Quem não está procurando emprego não é considerado desempregado pela metodologia da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) Contínua, do IBGE, que segue padrão internacional. Desempregado é quem está tentando encontrar emprego e não consegue. Ou seja, 14,3 milhões de pessoas. Quando a economia dá sinais de melhora, as pessoas voltam a procurar serviço. E, portanto, retornam à fila do desemprego se não encontram.

Bolsonaro defende que como trabalhadores ambulantes não têm mais como vender produtos por conta da pandemia, passaram a procurar emprego, inflando os números. Ele não apresenta dados para corroborar a sua tese, claro. E ignora que a questão é bem maior e mais complexa que isso.

Não cita, contudo, que ele seria o culpado pelo naco de trabalhadores informais que estão indo à rua se expor ao coronavírus graças à sua demora para retomar o pagamento do auxílio emergencial e ao valor miserável pago nesta etapa - de R$ 150 a R$ 375 por domicílio.

Sem contar que um benefício ridicularmente baixo não será capaz de ajudar a economia, como aconteceu na primeira onda da pandemia, após o Congresso ter pressionado para o governo aumentar de valor.

Além disso, os dados do Caged estão sendo criticados por especialistas após mudança de metodologia promovida recentemente pelo governo, ampliando a base de referência. Ou seja, não são comparáveis e podem estar inflados.

Toda vez que o Caged é divulgado, auxiliares de Bolsonaro têm feito festinha e tentado capitalizar nas redes sociais. Mas quando os dados da PNAD Contínua vêm a público, é só ranger de dentes e blasfêmias.

Bolsonaro precisa parar de brigar com números e passar a trabalhar para ajudar a reduzi-los. Não há um complô contra ele ou contra a população, apenas má fé por parte dele quanto à estatística.

Uma de suas icônicas declarações ("E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre") encontra tração em uma parte da sociedade, que não o responsabiliza pelas mortes. Prova disso é que o último Datafolha apontou que apenas 43% da população consideram-no o principal culpado pela pandemia.

Mas se a montanha de 345 mil cadáveres não tem recaído totalmente sobre suas costas, o mesmo não pode ser dito sobre a cordilheira de 14,3 milhões de desempregados. Ele é o presidente e, portanto, o responsável pela política de geração de empregos - que, aliás, não existe em seu governo - e pela economia.

A sua omissão e o seu negacionismo estenderam a gravidade da pandemia por mais tempo que a média mundial. Ao lutar contra o isolamento social e demorar meses para comprar vacinas em número suficiente, ele manteve a covid-19 martelando a economia.

Culpa governadores e prefeitos pela crise econômica oriunda da crise sanitária, mas é ele o arquiteto do desemprego prolongado.

Bolsonaro sabe disso e essa é uma das razões pelas quais ele ataca tanto quarentenas e lockdowns. Quer empurrar todo mundo para a rua, com o vírus à solta, para que o país volte ao normal e sua reeleição não seja prejudicada. Como não é assim que as coisas funcionam, a fatura disso vai cair no seu colo. Mais cedo ou mais tarde.

Tradutor: Com desemprego em alta, Bolsonaro volta a culpar o termômetro pela febre

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL