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Leonardo Sakamoto

REPORTAGEM

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Impunidade de Pazuello levou oficiais bolsonaristas da PM a perderem pudor

O presidente Jair Bolsonaro cavalga ao lado de policiais militares em meio à manifestação pró-governo em Brasília, em 31 de maio - Dida Sampaio/ Estadão Conteúdo
O presidente Jair Bolsonaro cavalga ao lado de policiais militares em meio à manifestação pró-governo em Brasília, em 31 de maio Imagem: Dida Sampaio/ Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

23/08/2021 15h05

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A falta de punição ao general Eduardo Pazuello após participar de manifestação política de apoio a Jair Bolsonaro (sem partido), o que é proibido pelas Forças Armadas, criou o ambiente para que oficiais das polícias militares percam o pudor de fazer o mesmo.

Uma das consequências é o caso do coronel Aleksander Lacerda, que realizou uma convocação para os atos bolsonaristas de 7 de setembro e atacou ministros do Supremo Tribunal Federal. O governador João Doria (PSDB), também alvo do coronel, o puniu com o afastamento do comando de 5 mil policiais em sete batalhões da região de Sorocaba.

A avaliação é do diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima. "A não punição de um general foi um sinal e ajudou a destampar tudo isso", afirma. "O sinal com o qual o general Fernando Azevedo e Silva e outros comandantes militares se preocupavam."

Ele se refere ao ex-ministro da Defesa, que foi exonerado por Bolsonaro junto com os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica, em março, por não darem sinais explícitos de apoio político ao presidente.

A aderência do bolsonarismo entre soldados, cabos, sargentos e subtenentes nos quarteis da PM é significativa em todo o país, mais até do que nas Forças Armadas. Tanto que Bolsonaro tem, nesse grupo, uma das bases de seu eleitorado. Não à toa, defende com unhas e dentes a aprovação do excludente de ilicitude, sempre que pode, está presente em formaturas de policiais e até já defendeu policiais milicianos no Rio de Janeiro.

Uma pesquisa divulgada pelo Fórum, no ano passado, apontou que 41% dos praças (soldados, cabos, sargentos e subtenentes) da Polícia Militar participavam de grupos bolsonaristas nas redes e aplicativos de mensagens, 25% defendiam ideias radicais e 12% defendiam o fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional.

A proporção de PMs com posições radicais era maior que entre os policiais de outras forças. Pautas como fechamento do STF tinham o apoio de 7% dos policiais civis e 2% dos policiais federais, por exemplo.

"Conseguimos avaliar com base na interação dos policiais nas redes, ou seja, o número total de bolsonaristas deve ser ainda maior. Mas os dados que temos já são alarmantes em si e mostram uma realidade que muitos não queriam ver", afirma Renato Sérgio de Lima.

Oficiais da PM começam a se manifestar em prol de Bolsonaro

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública começou a se preocupar com a capacidade do bolsonarismo de mobilizar as forças policiais no motim de policiais no Ceará, quando o comandante da Força Nacional, Aginaldo de Oliveira, elogiou os amotinados. "Vocês são gigantes, vocês são monstros, vocês são corajosos", afirmou Oliveira.

Greve de militares e policiais militares é ilegal de acordo com a Constituição, o que foi confirmado pelo STF.

Em maio deste ano, policiais militares atacaram manifestantes que protestavam contra o governo Jair Bolsonaro no centro de Recife. Duas pessoas perderam a visão de um dos olhos, uma vereadora foi atingida deliberadamente com spray de pimenta e outras pessoas foram agredidas.

Em junho, o slogan da campanha eleitoral de Bolsonaro foi usado por oficiais da Polícia Militar do Distrito Federal na cerimônia de formatura de um curso de aperfeiçoamento da corporação. "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos", afirmaram em seus discursos os coronéis Márcio Cavalcante de Vasconcelos e William Delano de Araújo.

"Minha sensação é que está se consolidando uma hegemonia, independente de termos diferenças de tom no apoio a Bolsonaro. Antes manifestações de praças eram comuns. Agora, começamos a ver oficiais demonstrando apoio a ele publicamente", afirma o diretor-presidente do Fórum.

Para ele, o governador João Doria agiu corretamente ao remover o coronel Aleksander Lacerda do posto de comando. "O Doria mostrou autoridade, como o governador Camilo Santana (PT) também mostrou quando disse que não haveria conversa sobre anistia quanto ao motim."

Em Pernambuco, o governador Paulo Câmara (PSB) também mudou o comando da Polícia Militar após a ação violenta no centro da capital.

"Concretamente, mostrar que há limites pode segurar um pouco oficiais que achavam que podia fazer propaganda política. Mas, por outro lado, pode mobilizar quem acha que não tem nada a perder, como policiais de baixa patente e os da reserva", afirma Lima.

As redes bolsonaristas já começaram, na manhã desta segunda (23), a transformar o coronel afastado em mártir, mostrando o quão delicada é a posição de governadores que se contraporem ao gesto de radicalização das polícias promovido por Jair Bolsonaro.

Na avaliação do diretor do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os atos previstos para ocorrer neste 7 de setembro, principalmente, os de São Paulo e Brasília, precisam ser grandes o bastante para que Bolsonaro mostre que ele pode dar um golpe. Mas se não encherem ou forem menores que os da oposição, o presidente, que trabalha sempre com contingências, pode se adaptar.

Nesse caso, precisará de uma fotografia. E a presença de oficiais da reserva fardados nos atos ou mesmo PMs que forem designados para fazer segurança batendo continência a Bolsonaro - que prometeu ir à avenida Paulista - já estará de bom tamanho para as pretensões golpistas do presidente.